BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

QUANDO A PULGA NÃO ESTÁ ATRÁS DA ORELHA!- Dinah Ribeiro Amorim



QUANDO A PULGA NÃO ESTÁ ATRÁS DA ORELHA!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Maricota, apaixonada por Toninho, acreditou na potoca das moçoilas invejosas do lugar que o moço havia batido as botas num fuzuê havido no botequim da esquina.

  Destrambelhada, abestada como era, ao invés de ir investigar o caso no local, ficou sorumbática em casa, muito jururu, sem coragem e sustança para tomar alguma iniciativa.

  Apesar de Toninho ser um pé-rapado, amava-o muito e imaginava ser sua esposa há muito tempo.

  Sabia que o jovem era aperreado por qualquer coisa, mas bater o facho em briga de bar era coisa que nunca imaginara.

  Vai ver que cutucaram o cão com vara curta ou atiraram pedras em casa de marimbondos.

  Como era muito cabreiro, entrou em gastura e armou logo um salseiro, terminando tudo em lambança e acabando com a vida.

  Maricota quis arrancar os cabelos, andava feito barata tonta, com a cabeça nas nuvens. Sentia-se com uma corda no pescoço. Aos poucos, resolveu arregaçar as mangas,  não chorar mais sobre o leite derramado. Arranjou um emprego, saiu de casa e foi trabalhar, ia pôr mãos à obra em sua vida.

  Qual não foi seu espanto quando, de repente, sem mais nem menos, a primeira pessoa que encontra no caminho era Toninho, vivo, vivinho, que ia falar com ela, prometer mundos e fundos, marcar casório.

  Branca de susto, sentindo as pernas tremelicarem e o chão fugir, quem teve um saracutico foi ela, gritando a plenos pulmões e, coitada, indo desta para melhor!  Quem bateu as botas foi ela!


A VERDADE NO OLHAR...- Dinah Ribeiro Amorim



A VERDADE NO OLHAR...
Dinah Ribeiro de Amorim


  Dr. André, renomado psiquiatra, grande número de pacientes tratados com sucesso em seu curriculum, recebe, numa tarde, uma visita estranha.

  Uma jovem de rara beleza, gestos delicados, bem trajada, pedia para vê-lo urgentemente. Aparentava ser uma moça bem sucedida e, à medida que iam conversando percebeu também sua inteligência  e cultura.

  Intrigado, perguntava-se intimamente qual seria o problema que a afligia, pois pela aparência, não conseguia detectar nada. Depressão, alucinação ou qualquer outro tipo de desconforto. Pelo contrário, as atitudes dela aparentavam excessivo controle.

  Aos poucos, perguntando por que o procurara, Cristina,  foi revelando o que a preocupava.

  Presenciara um crime, a morte de um amigo, colega de trabalho, ao sair do escritório. Rapaz finíssimo, muito cortejado pelas mulheres que invejavam sua namorada Nanci, a quem era extremamente fiel e dedicado. Não sabia o que fazer. Vira Nanci sacar de uma arma e lhe dar dois tiros rápidos, num corredor escuro, quando pensava não haver mais ninguém.

  Queria saber sua opinião. Deveria denunciar o caso à polícia ou aguardar os acontecimentos. Nanci era sua amiga íntima e, com certeza, tivera motivo sério para tal atitude.

  Dr. André, espantado com essa história policial, achou melhor encarar o caso com calma, pedindo-lhe mais detalhes. Cristina teria presenciado mesmo um crime ou imaginado a cena. Teria que analisá-la melhor e aguardar os acontecimentos. Não gostaria de prejudicar a moça e, caso a polícia não descobrisse logo a verdade, aí sim, ela contaria o que vira.

  A atitude de Cristina mudou e empalideceu. Não saberia conviver com isso por muito tempo. O médico receitou-lhe um ansiolítico e a mandou para casa. Verificaria o noticiário e discutiriam a situação juntos. Queria ter mais conhecimento.

  À noite, em casa, Dr. André escutou no noticiário que um funcionário de uma empresa, havia sido baleado e levado ao hospital. Corria risco de vida. A polícia investigava, mas não tinha nada de concreto. Falavam em possível assalto, vingança ou outros assuntos.
  No dia seguinte, Cristina voltou a procurá-lo. Tinha ido trabalhar normalmente, como lhe recomendara. No escritório, uma confusão. Policiais interditando áreas, fazendo perguntas, se o rapaz possuía inimigos, enfim, algo que os levasse a alguma pista.

  Nanci também fora trabalhar e, friamente, respondia às perguntas de Dr. Mauro, o investigador do caso, quando soube que ela o namorava. Não haviam tido nenhuma briga, não sabia muito dos seus relacionamentos fora do escritório, não conhecia ninguém que pudesse lhe fazer mal. Era simpático, extrovertido e, embora o relacionamento deles fosse recente, estava começando a amá-lo e sentia-se correspondida.

  Pediram-lhe que não saísse da cidade, mas não encontraram nela nada suspeito.

  Cristina olhava-a com espanto e raiva, mal conseguindo controlar seus nervos.

  Desabafou no consultório do Dr. André sua revolta e vontade de esclarecer tudo.

  O rapaz baleado, Fernando, não havia morrido, mas seu estado era gravíssimo, em coma. Não havia possibilidades de melhora nem de perguntas sobre o ataque.

  Dr. André começou a se preocupar com sua nova paciente. À medida que as sessões aumentavam, Cristina ia revelando uma personalidade agressiva, com ódio de Nanci, não mais aquela defesa e dúvida inicial, com relação à amiga fiel.

  A polícia não encontrara nenhuma pista e aguardava a melhora do rapaz para saber algo.

  Nanci o visitava frequentemente, querendo saber se havia saído do coma.

  Dr. André notou que Cristina também se preocupava muito com o estado de Fernando, mas de uma forma estranha. Queria agora realmente acusar a amiga.

  Após um mês e meio de buscas, a polícia encontra a arma do crime, jogada numa lixeira do prédio.

  Completamente sem digitais, estava identificável. Arma comum, sem nada que os levasse ao dono ou comprador. Poderia ser de algum assaltante ou criminoso qualquer.
  Cristina continua indo às sessões com Dr. André, cada vez mais nervosa e lhe pedindo para aumentar a dose do calmante.

  Nanci, feliz com uma sensível melhora de Fernando, vê novas expectativas para o caso.

  A polícia, comandada pelo investigador Mauro, dirige-se ao hospital e percebe que o rapaz olha amorosamente para Nanci, apresentando alegria ao vê-la. É descartada a possibilidade de ter sido Nanci quem o baleara. Colocam um guarda de plantão e resolvem analisar as expressões da vítima.

  Cristina, nervosa com tudo isso, torna-se realmente paciente de Dr. André que percebe nela um caso difícil. Arrepende-se do conselho que lhe dera em ficar calada, pois piorara muito. Seu rancor pela amiga a quem não traíra era agora surpreendente.

  Tudo se esclarece quando Nanci convida Cristina para irem juntas visitar Fernando. Sem ter como recusar diante da felicidade da amiga e para não causar espanto nos colegas, ela vai até o hospital.

  Lá chegando, Fernando, ao vê-la, estremece e a olha com medo, como se lhe fizesse mal. Nanci e o guarda de plantão chamam o médico para vê-lo e ele consegue apontar um dedo acusador para Cristina, que foge assustada.

  A polícia é informada e Cristina chamada a depor.

  Acusa então Nanci. Vira quando ela sacou da arma. Como saber a verdade! Até seu médico é chamado e revela simplesmente o que sabia. Que era uma jovem que presenciara um crime e que estava cada vez mais nervosa por não ter denunciado uma amiga. Não poderia dar mais detalhes porque seria antiético e prezava muito a identidade de seus pacientes.

  Investigada a vida de Cristina, descobre-se que havia tido um caso com Fernando, meio às escondidas, que não o esquecera, odiando-o quando a trocara por Nanci. Revelações de uma antiga empregada dela ajudaram muito a chegarem a essas conclusões. Estava esclarecido o caso. Fora ela quem atirara em Fernando, assumindo o papel de acusadora, presenciando um crime que ela mesma cometera.

  Usara Dr. André como álibi ou trocara realmente de papel, pensa o médico, que nunca tivera um caso como esse.

  Resolve continuar tratando de Cristina, mesmo considerada culpada, após várias investigações da polícia: tentativa de assassinato por ciúmes e traição.

  Fernando melhora rapidamente e, junto a Nanci, confirma que a atiradora fora Cristina.

  Esta é presa e, graças a Dr. André e a um bom advogado, sua pena é aliviada sob a condição de continuar em tratamento e resolver seu problema de dupla personalidade ou de esperteza ao arquitetar esse comportamento.

  O médico sente pela frente uma difícil tarefa; investigar sua mente e descobrir nova verdade que só Deus sabe!





sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Medo - Hirtis Lazarin


 

   "MEDO"
Hirtis Lazarin

     Abriu os olhos gemendo de dor.  Levou um chute no tornozelo.  Foi desse jeito que o cobrador do ônibus conseguiu acordá-lo.  Quando desceu do coletivo se deu conta que era o último passageiro.

      Encontrou uma noite escura, gelada e solitária.   Até o boteco da esquina, onde toma o últmo gole de cachaça do dia, já estava fechado.  

Estranho...Uma sensação esquisita deixou seu corpo todo arrepiado.  Bobagem...nunca foi homem de ter medo.

     Seguiu seu caminho.  Postura envergada menos pelos anos vividos e mais pelos maltratos da vida difícil.  Aparência descuidada e maltratada.  Olhos tristes.  Dava dó.

     Os passos lentos e monótonos repetiam a monotonia que era sua vida.  Ambição? Vontades?

Nem tempo pra isso tinha.

     O pio estridente de uma coruja atrevida assusta-o e lá vai um palavrão.

  Ao mesmo tempo, ouve passadas vindas de trás.  Para.  Olha.  Firma mais o olhar.  Apenas um vulto.  Tudo era um breu só.

     Muda de calçada.  O vulto também.  Suas passadas agora são mais rápidas, mais pesadas.  Tem certeza, está sendo seguido.  O coração dispara, um calafrio percorre-lhe a espinha, gotas de aflição escorrem pelo rosto, a boca seca, tem gosto amargo de jiló.

     Toma coragem.  Olha pra trás novamente.  O vulto virou um homem forte armado de pistola.

     As pernas de Gregório ganham força (nem sabe de onde), se alongam e partem em disparada.  Mais parece uma girafa que pressente o leão faminto.

     O inimigo já está bem próximo.  Gregório ouve o estalido da arma engatilhada.  Um curta-metragem da vida roda na sua cabeça.  Não quer morrer.  Prefere a vida desgraçada que leva.

     Um estampido forte e seco.

     Um corpo cai agonizante.

     Um líquido grosso e adocicado sai daquela boca desdentada e mancha o chão de vermelho.


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Análise textual - Prof. Deonísio Da Silva

Professor Deonísio Da Silva e Professor Sergio dando aulas de Análise Textual no Youtube.

APROVEITEM AS DICAS.


 


Dupla personalidade? - Dinah e Fernanda Choichit




Dupla Personalidade?
Dinah e Fernanda Choichit

Minha vizinha, Marina, é terapeuta, me procurou ontem muito preocupada com um dos seus paciente, Luiz Fernando.Moço jovem, bonito, de boa família.. Entretanto muito estranho. Não estudava, não trabalhava,dormia de dia e passava as noites na rua..

Marina conta que começou a prestar atenção no jovem pois reparou  que havia noites que saia como um doutor, terno, gravata e pasta e em outra noite era visto com macacão de mecânico.

Nas sessões comportava-se como um Dr. mas não a olhava nos olhos. Marina finalmente, ousou a perguntar o porque de suas saídas noturnas ora como Dr. ora como mecânico. Luiz Fernando constrangido a começou a explicar contando  que conhecera  uma mulher muito mais velha há 2 meses e que esta lhe fez  uma proposta irrecusável. Ele receberia um valor substancial para sair "fantasiado" todas as noites.          

Neste momento Marina lançou um olhar ao relógio. Luiz Fernando percebeu que sua sessão já tinha terminado e rapidamente se retirou da sala. Deixando Marina sem saber o porque da fantasia e o que este jovem fazia todas noites.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FELICIDADE! - Dinah Ribeiro Amorim




FELICIDADE!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Felicidade é o aqui, o agora. São momentos felizes!

  Aproveitar ocasiões de medo, confusão, conflitos, transformar em coragem, tranquilidade, paz. Isto é felicidade.

  Olhar-se ao espelho, ver que consegue sorrir ao perceber uma ruga nova. Maturidade, momento feliz! Mais próximo o final da jornada, o desenrolar da existência.

  Existência que lhe tornou vitorioso, vencedor de dificuldades, cumpridor dos seus deveres, também é felicidade.

  Observar filhos e netos sadios, bonitos, perfeitos, obra sua com auxílio do Criador. Quem não os tem perfeitos, algum bem a de encontrar. Problemas surgem que nos fazem fraquejar mas, de repente, vencidos, no decorrer do tempo. Tudo isso nos deixa felizes, agradecidos!

  Muitos dizem que a felicidade, nesta Terra, não existe. Só luta, desolação. Temos que buscá-la onde estamos na época em que vivemos.

  Felicidade existe, vivemos, temos muito a fazer, aprender com os outros, sentir a natureza, cometer erros e acertos.

  Mais erramos que acertamos, mas a oportunidade de tentar novamente, são momentos felizes, proporcionados por Deus.

  Feliz é aquele que ri gostoso de uma piada nova, que chora momentos tristes, compadecendo-se do irmão, que observa a beleza mostrada na natureza, que distribui o pão.

  A felicidade existe quando se faz o bem, independente de quem! Transformando ódio em paz, inveja em verdades, ambição em beleza, raiva e ciúme em compreensão e amor.

  Momentos de convivência são momentos felizes. Oportunidades raras de aprendizado que passam logo com o tempo.

  Tempo, o único que é rápido, em qualquer momento, que ajuda a solucionar problemas, mas pode interromper de repente, a vontade de ser feliz aqui!

sábado, 13 de outubro de 2012

O DESCRENTE - Suzana da Cunha Lima




O DESCRENTE
Suzana da Cunha Lima


- Não acredito , não acredito em nada – vociferava meu tio, lendo os jornais com tanta indignação que parecia que ia ter um ataque ali mesmo.

- Não acredito em mais nada – repetia ele – já viram como vão votar o novo Código Florestal? Cheio de emendas sem sentido, desfiguraram a proposta! São uns pulhas, eta pessoalzinho sem caráter!

 O jornal estava todo desfolhado no colo dele, tal a fúria com que ele mexia nas folhas.

 - Realmente não consigo acreditar em mais nada! Isso é deprimente...Onde estava nosso Exército quando os Sem Terra invadiram aquela bela fazenda do tio Juca? Improdutiva uma ova! Era toda cultivada, uma beleza! E para quê? Eu já digo, é tudo mutreta da política local. Ninguém daquela corja sabe pegar uma foice ou enxada, nunca trabalharam a terra.  Mas aí esse bando de desocupados se  assenta lá, com todas as mordomias bancadas pela Prefeitura. Depois de um tempinho algum laranja arremata tudo em algum leilão fajuto, e pronto, fica com a terra. Esse é mais um golpe para enriquecerem depressa, pois todas estas terras são altamente valiosas. Vê se eles invadem terra sem água, sem benfeitorias, alguma coisa lá no agreste, coisa nenhuma.

O tio tomou um copo de água que a tia tinha colocado em sua frente. Ele bebeu devagar, tentando se acalmar. Depois arrumou as folhas de jornal e se deteve a ler a seção política. Quase teve um ataque.

- Não acredito, não acredito mesmo que o mensalão seja julgado e que alguém vá para a cadeia. Estão cooptando até o pessoal do Supremo, vê se pode? Tem gente boa lá, com certeza, mas o que podem fazer com estes bandidos de colarinho branco? É uma teia de sujeira. E o pior é que o sistema se autoproteje, e no máximo vai algum pé rapado para o xilindró. Suspirou enquanto lia o resto das notícias.

- Não acredito realmente em mais nada. É só abrir o jornal que as notícias ruins pululam como sapos em água fervente. Eu já disse, não voto mais em ninguém. O candidato pode  até ser bom antes de entrar, depois chafurda na lama do mesmo jeito. É um escândalo depois do outro. Jogou  o jornal no chão com raiva, estirou-se na cadeira, deu um suspiro grande, voltou-se para a cozinha:

 – Vê um cafezinho aí, minha velha. E com açúcar, açúcar, mulher, não acredito mais nestes nutricionistas. Minha diabetes já deu um salto mesmo, deixa para lá, se morrer, morro doce.

Virou para mim -  Cada mês, chega uma novidade sobre alimentação. Eu, definitivamente não acredito em mais nada. Um dia ovo faz mal, noutro dia faz bem. A gordura e a carne vermelha eram as grandes assassinas, hoje são os heróis, desde que sejam boas gorduras, carnes magras, sei lá mais o quê. No tempo de meu pai, usava-se banha de porco para cozinhar, açúcar para adoçar, manteiga para passar no pão. Hoje em dia é um monte de restrição, para mim, tudo golpe da indústria alimentícia e de medicamentos.  Por essas e outras, é que digo que não acredito em absolutamente nada, meus amigos. Só na morte mesmo, pois até hoje ninguém conseguiu enganá-la.  Quando chega a hora, o sujeito vai mesmo.

 Expliquei para o tio que estavam congelando cadáveres, esperando a medicina avançar e assim, poderem ressuscitar.  Muito rico estava fazendo isso.

- É outra coisa em que não acredito, não boto uma fé nisso, imagine! Acho que é só outra malandragem para tirarem dinheiro destes ricos idiotas.  E ressuscitar para quê?  Para tornar a viver estas aflições que a gente passa todo dia? Não sabe se vai ser assaltado, se os filhos chegam inteiro ou com vida em casa... Além dos assaltos na folha de pagamento.  Sou funcionário aposentado, minha filha. Pois não é que me descontam a contribuição previdenciária? Paguei quase 40 anos para poder me aposentar e mesmo assim não foi bastante.  O Governo morde minha aposentadoria todo mês.  Agora, veja só, ta aí, no jornal...  Para dar um mísero aumento aos professores, é uma luta sem fim, precisa greve, muita conversa, e enquanto isso, as crianças sem aula... Abaixou-se,  procurou nas folhas espalhadas no chão o caderno de economia e continuou sua lenga-lenga: porém para o pessoal do legislativo, veja que beleza... eles mesmo se aumentam..., ganham muito mais que o presidente da república, tem carro, gasolina, passagem de avião para as bases...um monte de mordomias e nunca ficam satisfeitos...

Olhe, eu lhe digo, na hora que  defunto abrir os olhos, não sei o que vou fazer, já que nem na morte vou acreditar mais... Esta história de congelar cadáver, quem sabe até isso pode acontecer, então aí é que eu  não acredito  em  mais nada mesmo..

MEDO - Suzana da Cunha Lima



MEDO
Suzana da Cunha Lima


Sentei-me trêmula.  Qualquer coisa escorria pelo meu rosto, mas eu não conseguia ver. Pensei estar cega. Não, não pode ser. É apenas um sonho mau. Meu corpo era uma dor só, mas tentava teimosamente entender. O que fazia eu ali, amarrada?

Lembrei..Andava na calçada, parei na esquina. Fui puxada para dentro de um carro. Um grito. Um saco fedido na cabeça. Palavrões. Uma pancada forte na minha cabeça. Acho que desmaiei depois disso. Devem ter-me jogado em algum catre sujo.

Acordei com palavras ásperas, cortantes: Em pé, vamos, ande! Como eu andei, não sei. Não sentia minhas pernas, acho que fui arrastada. Também não conseguia enxergar nada, o danado do saco continuava lá.

Agora sentada, aguardava o que viria ainda. As mãos amarradas, os braços formigando de câimbras. Só podem ter me confundido com outra pessoa. Reze. Vão ver o engano logo.

Nem terminei a oração. Ouvi assustada o barulho de botas. O coração disparou. Botas me apavoravam. Eu, menina, escondida embaixo da cama, olhando botas arrastando as pernas de meu pai não sei para onde. Só sei que nunca mais o vi.

Tiraram o saco de minha cabeça. Nem cheguei a levantar a cabeça para ver a cara do homem de uniforme à minha frente.  Olhar aquelas botas fez o medo tomar conta de mim de uma maneira avassaladora. Não ouvia o que diziam. Não senti o que faziam. O mundo ficou sem som, sem cor. Eu só conseguia ver botas, enormes, aterradoras. .Fui totalmente sugada pelo medo. Era tanto que parecia que eu não tinha mais corpo, nem mente. Nem dor, nem lembranças. Só medo, imenso, me enrodilhando como cobra quando pega bezerro, até matá-lo de vez por asfixia.

- Quem é ela? Acho que vocês pegaram a mulher errada.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FOTOS NOVAS E ANTIGAS PARA RECORDADR



Um pouco de nossa história contida nessas fotos.




























Do lado de lá da Muralha - Suzana da Cunha Lima



Do lado de lá da Muralha
Suzana da Cunha Lima

Cheguei finalmente em casa depois de um dia quente e abafado  onde tudo tinha dado  errado. Joguei os sapatos para um lado, a bolsa para outro, liguei o ventilador de teto e sentei-me na poltrona, totalmente exausta. Ofegava como um cachorrinho cansado e a última coisa que eu queria  era ouvir algum ruído, seja lá de onde viesse.

Mas...meu neto veio lá de dentro do quarto, correndo e animado como só as crianças de seis anos o são. Estava com a mão cheia de lápis de cor e páginas rabiscadas. Estivera a desenhar, imaginei, mal abrindo o olho, ou fazendo gibi, como ele dizia.

- Oi vó, conta uma história para mim?  Vou fazer outro gibi, mas estou sem ideia  - e sentou-se no chão me olhando com aqueles olhinhos irresistíveis, que varreram meu cansaço e desânimo para o lado.

- Bem Carlinhos, faça um Gibi com a história  da vovó de hoje. tá bem?

- Você tem uma história só sua, vó? Que legal! Então conta...

Bom, naquele dia, a avó do Príncipe verificou que a despensa estava quase vazia e não havia chegado ainda nenhum servidor no palácio.

 Aí ela se lembrou da greve das charretes e da peste de catapora.  Seus serviçais, mordomo, aias, camareiras, cozinheiros ou estavam em casa doentes, cheios de pipocas, ou não havia conseguido nem uma carroça para irem ao palácio. Cavalo, só os nobres tinham.

Assim, ela resolveu sair para pagar as contas do palácio e tomar as  providências cabíveis.  

- Vó,  em casa, é o escritório do pai que paga todas as contas.

- Mas o Príncipe não trabalhava, nem tinha escritório, Carlinhos. Ele caçava, limpava suas armas, treinava esgrima e às vezes ia pescar com alguns companheiros. Nem os nobres, nem os padres, nem os soldados trabalhavam. Trabalho era considerado algo servil, das classes baixas.

- Quem trabalhava então? Perguntou o menino espantado.

- Ora, os camponeses que aravam, semeavam e colhiam os grãos da terra.  O moleiro que fazia o pão.  Os pastores que cuidavam das ovelhas, os seleiros, os ferreiros, as tecelãs, muita gente trabalhava naquela época, com as mãos, com habilidade, com ferramentas bem simples.

- E agora, como é?

- Muito, muito diferente, meu querido. Há máquinas para quase tudo e se trabalha mais com a cabeça, com raciocínio, pelos computadores.  E praticamente todo mundo trabalha. Trabalho é algo muito nobre, muito valorizado.

 Mas continuando... a avó do Príncipe se arrumou toda e desceu a escadaria para pegar sua carruagem, e ouviu o relinchar dos cavalos esperando-a. Mas cadê o Cocheiro? Olhou de um lado para o outro, ninguém.

Ah, esta avó era disposta. Pulou para dentro da carruagem, pegou as rédeas e foi embora para a cidade.  Abriram  a porta da muralha para ela passar e ela foi-se encantando com tudo que via.  O campo verdinho lá longe, à sua frente, as ovelhas no pastoreio, e a algazarra de muitas pessoas passando, conversando, mostrando suas mercadorias, pechinchando. As barraquinhas com as verduras, frutas, linguiças, batatas, tudo exposto, esperando compradores.

Desceu da carruagem, e começou a andar por aquelas vielas, observando tudo, muito curiosa do que estava vendo.  Ela nunca tinha saído do palácio, as coisas chegavam às suas mãos. Agora ela estava conhecendo o pessoal que plantava ou cuidava do que a corte comia, vestia ou consumia. Ficou emocionada. Mas, à medida que caminhava por ali, machucando um pouco seus pés delicados naquelas ruas sem calçamento, com buracos e pedras, também viu muita sujeira, muita criança maltrapilha, muita água suja jogada no chão,  Foi aí que ela percebeu pela primeira vez, a enorme diferença entre nobres e trabalhadores.

- E ainda tem isso, vó?

- De certo modo sim, em países muito atrasados. E de outra maneira, em outros lugares. Ainda temos Reis e Príncipes, alguns andam de carruagens, outros de bicicletas, mas o povo está mais amparado. Trabalho, de modo geral é algo valioso, que permite você viver sem depender de ninguém.

Bom, voltando à história, a vó comprou tudo das barraquinhas e distribuiu muito dinheiro para aquele pessoal. Quando voltou para o palácio era outra, cansada, e preocupada com o que tinha visto.

Chamou seu filho, o Príncipe, e disse:

- Você vai ter que mudar muitas coisas por aqui.  Vamos melhorar as casas onde nosso povo mora, remunerar melhor os produtos que eles vendem.  Você vai passear comigo pelas vielas e perceber as necessidades deles.  Não está certo a gente ter tanta coisa e eles pouco ou quase nada.  Somos todos Filhos de Deus, não é o que o Bispo tanto fala? Então todos precisamos ter um teto, comida, roupa para aquecer no inverno.  Você precisava ver as crianças brincando no esgoto, todas esfarrapadas... Não está certo isso não.

O Príncipe olhou para a mãe e ainda tentou falar alguma coisa;

- Mas sempre foi assim, minha mãe. Desde o tempo de meu pai, de meu avô...

- E por que sempre foi assim está certo, meu filho? Está tudo errado.

 E vou lhe dizer uma coisa. Eu sou a Rainha e você o Príncipe. Se não fizer o que estou mandando e direitinho, eu lhe deserdo, e vou governar do jeito que eu acho que deve ser. Está entendido?

- Puxa vó... E o que aconteceu? O príncipe obedeceu à mãe dele?

- Ah Carlinhos, o que eu sei é que houve muitas mudanças naquele reino. A Rainha foi adorada pelo seu povo. Nunca mais ninguém passou fome nem morreu de frio.

Mas sobre o Príncipe, vamos deixar para outra vez, está bem? É uma história longa... A vó queria agora um suco de laranja bem gelado, estou tão cansadinha, meu netinho...