BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrando no passado - Dinah Ribeiro Amorim




ENTRANDO NO PASSADO!
Dinah Ribeiro de Amorim

 
Sempre quis ser escritora! Principalmente em momentos de angústia. Não sei ainda se o sou, mas às vezes, a vontade de escrever é mais forte...

Como a maioria, comecei com uma autobiografia, saudades do que passou, ou fuga do presente, talvez.

O primeiro romance foi “As luzes do meu passado”, dedicado à infância e adolescência, aos queridos avós que já se foram, aos tios e tias e, ao sobrado, o nosso sobrado!

Retiro dele algumas passagens:

“Parada aqui em frente, num sábado, 23,30 h., dentro do carro, ouvindo chuva lá fora, contemplo você, meu sobrado.

Contemplo você, ainda não demolido, desgastado pelo tempo, fechado, coberto de plantas e mato, à espera do que irá ser feito e lembro-me do que já foi, do que fui com você, me emociono e choro.

Junto minhas lágrimas às gotas de chuva que batem no vidro e viram pingos de luz pelo reflexo dos lampiões da rua.

Sinto falta de você, ou melhor, de todos que o fizeram viver!

De repente, quando o olho, você se clareia e eu volto ao passado.

Infância, sete anos, 1º. Ano de escola, no Grupo Escolar próximo.

De avental branco, laço de fita no cabelo escorrido e amarelo, lancheira debaixo do braço, preparada pela minha avó com bolinhos ou sobras do almoço, lá vou eu, com colegas da vizinhança, sem saber o nome das letras ou o desenho delas.

Não sei se por ser sobrinha da diretora ou por capacidade própria, passei em primeiro lugar para o 2º. ano, apesar de ter entrado no final do semestre.

Deixando a escola de lado, forço um pouco mais a memória e volto para você, meu sobrado, e a vida que aí tinha.

Éramos muitos; meus avós, mamãe, três tias e tios solteiros, meus irmãos e eu.

Imagens gostosas me vêm à mente! É domingo e vovô, de pijama, passa a manhã inteira no quintal, de enxada e ancinho na mão, removendo a grama, plantando sementes, renovando a horta que mantinha com carinho, cheia de legumes e temperos.

Minha avó, na cozinha, com avental limpinho e as eternas trancinhas no cabelo, abre e estica com seu velho rolo de pau, a massa de pastel, de todos os domingos, chamando-me para ajudá-la a cortá-los com o copo e desenhá-los com o garfo.

De vez em quando, pára e, com a bengala, bate no teto para acordar as tias, que dormem até tarde no domingo. Acho muito engraçado tudo isso.

Na sala, um tio, jovem, bonito, o cobiçado pelas moças da rua, dança ao som do jazz e sapateia como ninguém, chamando-me para acompanhá-lo.

Até hoje somos grandes amigos, ele com quatro netos e eu também. Nossa diferença de idade é pouca.

Guardo com muito carinho estas lembranças e, mais crescida, mamãe arrumando um emprego melhor, fomos morar em Campos Elíseos,deixando, infelizmente, a casa dos avós.

Quando meu avô soube disso, não falou nada. Pegou seu baralho com o qual fazia “paciência” todas as tardes e, triste e silencioso, jogava e pensava. Olhei para ele e vi que uma lágrima escorria de seu rosto. Nunca o tinha visto chorar até então, fato que se repetiu quando morreu meu irmão caçula, criado totalmente por eles. Aí sim, soluçou fortemente...

Muita coisa aconteceu... Algumas boas, outras não...Tudo se foi... Paciência!

Olho pela última vez o sobrado. Há uma grande distância entre o sonho e a realidade...

Despeço-me dele porque sei que em breve irá sumir... Vou sumir um pouco também em cada martelada que levar ou em cada tijolo que cair!

De repente, ouço um leve estalar de folhas e viro-me assustada!

No topo da escada, três vultos transparentes e cheios de luz: vovô, vovó e Joãozinho, meu irmão, agora, já um homem feito! Estão sorrindo e me acenam com a mão.

Emocionada, aceno também para eles e vou embora antes que desapareçam! Não agüentaria vê-los partir novamente...Foram as minhas luzes. Fizeram parte de mim. “As luzes do meu passado”!

Nenhum comentário: