Festa no ceu
Hirtis Lazarin
A tecnologia e toda sua
parafernália invadiu o espaço celestial. Computador, Ipad, Ipod, câmeras
estão espalhados por toda parte.
Os anjos
responsáveis por uma pequena comunidade brasileira estão inquietos,
apreensivos, com "as asinhas entre as pernas". Acabam de
receber e-mail curto e grosso do "Supremo Soberano". Uma
reunião de emergência fora marcada para o dia seguinte.
A pauta discutida fora:
1- a partir dos registros
das câmeras espalhadas, verificou-se que a grande maioria de celebridades,
artistas famosos, e políticos das últimas gerações não se mostravam
ambientados no "paraíso". Apresentavam sintomas de prepotência,
vaidade, insatisfação, depressão, confusão mental;
2- missão dos anjos: organizar uma festa de arromba
para estes brasileiros, sem a preocupação com gastos de decoração e
serviço de "buffet";
3- recomendações: Todos deverão ser tratado da mesma forma.
3- recomendações: Todos deverão ser tratado da mesma forma.
O combinado fora cumprido.
O salão esta
deslumbrante. Flores as mais exóticas enchem vasos de cristal.
Luzes de todos os tons se misturam num vai-e-vem alucinante, desenhando no
espaço, ora uma cascata cristalina, descendo do alto do penhasco, serpenteando
entre pedras do caminho até chegar espumante e vitoriosa no ribeiro que a
acolhe e a leva pro além; ora as luzes se misturam fazendo aparecer um
bando de borboletas beliscando flores que suspiram de prazer; ora tudo fica
negro e surge uma revoada de pirilampos como se fossem lanterninhas
voadoras e saltitantes.
Os convidados vão
chegando, e uma orquestra os recebe ao som da quinta sinfonia de Beethoven.
Todos acomodados, as
portas se fecham. Do alto uma voz rouca e dominadora: __ "O
espetáculo vai começar".
Assim que um anjo
assume o microfone para comandar a festa, outro chega e cochicha ao seu ouvido.
Todos os olhares se
voltam para a porta que range ao ser aberta. Respiração descompassada,
suor escorrendo pelo rosto, roupa desalinhada, entra Tim Maia. Riso
geral. Desinibido como sempre foi, solta o vozeirão. Canta à capela
e arrasa.
O anjo apresentador assume o posto e informa:
__Teremos um momento importante. Fechem os olhos e reflitam... Reflitam sobe a vida que viveram. Será dada oportunidade àqueles que tiverem algo a comentar.
A primeira a se manifestar foi Hebe Camargo, brilhando mais que sol em verão de 40 graus. Levanta-se e caminha com dificuldade ante o peso das joias que ostenta; mais parece vitrine de exposição em joalheria. Torce o pé e o salto que era um "Luis XV" quebra e fica entalado nas nuvens. Mantém a pose e caminha mancando.
A espontaneidade, sua marca registrada, evaporou. Séria, sorriso amarelo, voz embargada, desata a falar:
A menina simples que eu era
Conquistou fama, prestígio, riqueza.
Achava-me
uma princesa
Que nada! Só quimeras.
Faço hoje um desabafo
Tanta jóis, dinheiro acumulado
Pensei só em mim... Vaidade.
E o que deixei plantado?
Ouro, brilhante, esmeralda, rubi
E um palácio no Morumbi.
Crianças abandonadas
Velhinhos indefesos
E o meu dinheiro?
"Ta" lá no banco aumentado.
O tempo vai passar
O meu nome vai apagar.
Talvez na mente de algum velhinho
Serei
lembrada: a mulher do selinho.
Lá no fundão surge um coral nota mil.
Tom Jobim, Vinícius, Nara Leão,
Noel Rosa, Ataulfo, Cartola,
Adoniran, Elis e Gonzagão.
Pegamos nossa viola
Música fizemos com inspiração
O povo canta, aplaude, não esquece
Cumprimos nossa missão.
O apresentador convoca o político Celso Pita a dar
depoimento.
O
negro vira vermelho
Lacrimeja, gagueja
E humilde, cai de joelho.
Eu era homem honesto
Tinha
família feliz.
Levaram-me
pra política
Nem
acredito no que fiz.
Apadrinhado por Maluf
Raposa esperta, voraz
Ensinou-me
tantas gafes
E a roubar como ninguém faz.
Minha maior tristeza
É servir de gozação
Ter meu nome lembrado
Como sinônimo de
ladrão.
O anjo apaga as luzes e tudo fica branco. Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, jogam pro alto potes de tinta; dedos ágeis como se pincéis fossem manipulam as cores e no ar nasce obra de arte.
Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas gritam:
Ultrapassamos todos os limites
Do corpo, da alma desenfreada, colorida
Fomos tolos, inconsequentes
Pagamos caro. Foi com a vida.
Assumi a presidência
Renunciei.
Fi-lo não porque qui-lo
Não havia jeito
Desanimei.
Cortem-me a língua
Ceguem-me os olhos
Ainda assim escreverei.
Trair a nação? Jamais.
O exército armado e forte decretou:
Presidentes, nunca mais!
Se o discurso colou, nunca saberemos.
Lá na frente um pessoal esfuziante chama a atenção. Os olhares se voltam e encontram Golias, Nair Belo, Mussum, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e a "Perereca da Vizinha" transforma a festa num grande carnaval.
Para o encerramento, aquela voz rouca e dominadora se fez ouvir outra vez:
__Reflitam:
" O que é que fazia você feliz?
O que é que você fez pra ser
feliz?
Frutos
contaminados ou saudáveis?
É agora... Eu os colherei..."
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