NOITE DE NATAL - UM
TOQUE NA PORTA
Maria Luiza Malina
O bafo da respiração acelerada esbarrava com a neve no ar derretendo-a. Ainda
faltavam alguns quarteirões para chegar até a casa. O acúmulo da neve no
telhado quase o soterrava. Tudo estava completamente igual há 26 anos.
Na rua vazia e ao mesmo tempo cheia das lembranças, escutava
o som de meus próprios passos se aproximando, acompanhando cada pulsar do meu
coração. Percebia que havia mais alguém na rua, olhava para trás e nada via, imaginava
ser o eco das botas cansadas da longa viagem. A entrada pela fronteira havia
sido desgastante, muitas perguntas e a confirmação do endereço ao qual me
dirigia. Questionava-me, na incerteza de que se algo grave lhes houvesse
ocorrido, para qual endereço poderia recorrer. Afugentava os pensamentos
relembrando que a cidade é pequena demais para que os soldados da fronteira não
os conhecessem. Segui adiante.
Entre as casa, quase todas parecidas, lá estava eu, frente a
frete àquela a quem tanto queria chegar e agora minha mão pairava no ar, sem
coragem de tocar na porta. Ouvi conversas baixas, não havia a alegre música de
bandolim. Nada, apenas conversas baixas. Confirmei o número 76 da Rua Sázava,
da amarelada correspondência recebida parabenizando-me pelo dia do meu nome, do
calendário onomástico. Todos os anos eles se lembravam de nós e nós deles. É
agora, não tem campainha. Vou bater.
Toc...toc...toc...
Tudo se silenciou. Pela demora, percebi que estavam
assustados. Bati novamente. Senti que alguém estava por detrás, com a orelha
aguçada para saber quem poderia ser. Nada. Tornei a bater à porta. Alguém com
voz trêmula, pergunta:
- Quem é?
- Sou eu. Villy, do Brasil! O silêncio tornou-se gélido, usei
meu apelido para que me reconhecessem de imediato, uma vez que o regime
político era muito severo e, as batidas à porta durante a noite, não eram bons
sinais.
- Quem?
- Blanka! Sou eu
Vilmund Vaumund do Brasil, disse com o som firme e melodiosamente feliz. Sem medo de me indentificar.
A porta se escancarou num repente, que me fez arregalar os
olhos, e os abraços familiares tão esquecidos eram quentes, tão quentes como o
fogão à lenha que esquentava o jantar. A surpresa do amor familiar derreteu a
emoção do gelado medo dos toques na porta. Voltamos juntos no tempo com um gole
do forte aguardente de ameixa e já me senti em casa.
Blanka percebe ao fechar a porta, o espiar dos vizinhos atrás
das cortinas, uma vez que ninguém recebe visitas. Acena. Ahoj!
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