O
segredo da rapariga
Ana Maria Maruggi –
março 2013
Disseram que se
chamava Margarida, nome de flor e cheiro de flor. Assim diziam os homens. Mas,
as mulheres diziam que era uma quenga sem vergonha, uma rapariga sem escrúpulos
que ganhava dinheiro dos homens fracos. Eu mesma não a conheci bem, só a vi uma vez,
mas fiquei sabendo de muitas coisas intrigantes sobre essazinha ai. A tal
Margarida passava o dia debruçada na janela fazendo caras e bocas, chamando
atenção dos homens enfadados pelo trabalho árduo, que rastejavam para suas
casas no final do dia. Chegando ali deparavam com Margarida, cheirosa e fresca
a espera-los com um sorriso devastador. De mansinho com sua voz sexy lhes
desejava boa tarde, e fazia-lhes um leve e indiscreto sinal convidando-os para
entrar em sua casa. De cara não entravam não, mas voltavam outro dia, em outra hora menos comprometedora.
Estava eu de férias
na cidade de Ituana, a cidade da talzinha,
quando ouvi um zumzumzum pelas ruas e casas. Na delegacia, enquanto eu matava saudade do escrivão, meu primo de sangue, quis
saber do que se tratava aquele alvoroço que, cujo assunto era a tal mulherzinha
sirigaita da janela. Pois não é que ela, ela mesma em carne e osso, foi ate a
Delegacia, vestida num escandaloso baby-doll rosa shock, pedir para irem
ligeiro até sua casa, pois que um amigo dela tinha passado mal, e estava lá
estrebuchado no chão do quarto nuzinho como veio ao mundo? Foi um corre corre
danado dentro do batalhão. Uns tentavam abafar o caso, outros queriam descobrir
mais. Na verdade todo mundo queria saber quem era o sujeito que teve tanto azar
de cair duro justo na casa do mal...ou do bem, sei lá. Quem seria a esposa
traída, eita que esse seria um assunto para o mês inteiro. E o que teria feito
bater as botas, o talzinho. Muita
coisa a ser esclarecida, muitas mesmo.
Foi um zas-tráz, e Regi me abandonou por lá com o porta retrato de Tia Severina na mão. Saiu na maior correria que mais parecia um atendimento à mãe parindo, agarrou pelo braço o medico Dr Felisberto, que vinha ter com ele sobre o acontecido, e seguiram para a tal casa da janela indiscreta. À porta já havia uma multidão que só se movia às cotoveladas dos dois profissionais. Cochichavam, sussurravam e gritavam palavras de ordem. Já era uma manifestação pública. Mas não exigiam nada além de que se divulgasse o nome do diabo que morreu lá dentro. Dona Martinha a vizinha da coisinha, já estava a postos com sua câmera fotográfica, afinal não queria passar por fofoqueira ou mentirosa. À janela da casa da frente empilhavam-se mulher, marido e filhos para tentar enxergar dentro do quarto da mulherzinha, mesmo com a cortina cerrada. Fiquei sabendo que até a radio local, a única AM da região, já tinha montando um plantão à saída da casa. A repórter queria pegar o Regi (meu primo) para saber quem morrera naquele quarto nojento da Margaridinha.
Foi um zas-tráz, e Regi me abandonou por lá com o porta retrato de Tia Severina na mão. Saiu na maior correria que mais parecia um atendimento à mãe parindo, agarrou pelo braço o medico Dr Felisberto, que vinha ter com ele sobre o acontecido, e seguiram para a tal casa da janela indiscreta. À porta já havia uma multidão que só se movia às cotoveladas dos dois profissionais. Cochichavam, sussurravam e gritavam palavras de ordem. Já era uma manifestação pública. Mas não exigiam nada além de que se divulgasse o nome do diabo que morreu lá dentro. Dona Martinha a vizinha da coisinha, já estava a postos com sua câmera fotográfica, afinal não queria passar por fofoqueira ou mentirosa. À janela da casa da frente empilhavam-se mulher, marido e filhos para tentar enxergar dentro do quarto da mulherzinha, mesmo com a cortina cerrada. Fiquei sabendo que até a radio local, a única AM da região, já tinha montando um plantão à saída da casa. A repórter queria pegar o Regi (meu primo) para saber quem morrera naquele quarto nojento da Margaridinha.
A mulher traída não
aparecia, não havia ninguém reclamando a falta do marido. Pelas cabeças mil
nomes iam passando. Pensaram até no delegado Tavares, mas este estava de férias
com a família, em São Paulo. O
farmacêutico foi cogitado, mas eis que de repente ele e a mulher Dona Helia,
aparecem entre a multidão. Talvez o dono da padaria, o Joaquim, aquele chifrudo
resolvera finalmente trair aquela vagabunda da mulher dele. Mas, não, alguém
veio da padaria dizendo que o Joaquim queria saber quem era o morto.
Ninguém entrava mais
na casa, e de lá ninguém saia, há horas. O farmacêutico bateu à porta para
oferecer seus préstimos, mas ninguém
respondeu. Horas e horas depois, o povo começou a dissipar, aos poucos foram
indo embora, um grupinho aqui, outra ali. Mas, o pessoal da radio fincou pé, e Dona Martinha também arranjou um banquinho dizendo
que de lá não sairia sem registrar os fatos. A casa da frente cobrou um valor
fixo para quem quisesse ficar no plantão sentado em uma berger, mas a cortina
da rapariga não se abria. Tudo lá estava quieto e lacrado. Dona Martinha disse que sentia cheiro de café
fresco vindo do bordel da Margarida. E depois cheiro de pão de queijo
assando... Essa filha duma égua está cozinhando, e nós aqui fora esperando! Até que chegou a noite, e uma garoa fria caiu
molhando as ruas e telhados. A baixa temperatura foi afastando o povo e os
levando de volta aos seus lares. A fotografia teria que esperar a dona da câmera
jantar e se agasalhar. A rádio estava fora do horário para reportagem externa e
teve que desmontar o cerco. Na casa da frente, o dono precisava dormir para
pegar muito cedo no batente. Esvaziou-se a rua. Tornou-se um breu úmido a cidadezinha
de Itauana.
Pela madrugada saíram
de lá, sorrateiramente, pela porta dos fundos, Dr Felisberto e Regi. Tinham
cara de dever cumprido. Ambos.
O medico foi para sua
casa e disse à esposa que não estava morto não, era um desconhecido qualquer. Já
tinha tomado todas as providências.
Regi foi para a
delegacia fazer relatório, e nele escreveu que não havia defunto, apenas um coitado,
desconhecido com batedeira no coração. Já estava atendido e fora de risco.
Na manhã seguinte o zumzumzum queria saber o que houve na casinha da tal rapariga desavergonhada. Eu mesma, curiosa que só vendo, fui ter com meu primo que me confidenciou o que houve. Mas, sob juramento, jurei de pé juntinho, não contar nada à ninguém. Minha boa é um túmulo!
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