ICONOCIASTA
Andréa Iasz
Parada em frente ao espelho de seu quarto
fixa seu olhar em seus próprios olhos buscando ver a própria alma. Está exausta, perturbada, precisa se rever e
até se organizar. Aperta um botão mental “deletando” tudo e todos que estão ao seu
redor: a música, as vozes, o tumulto. Desliga tudo. Ela sabe que existe, que se
ama e se rejeita. Agora, neste momento, seu único desejo é ficar consigo mesma.
O nó na garganta é reflexo do choro que não
sai, do ódio que sente não sabe de quem e nem porque. Um filme passa em sua
mente. Nele ela vê a história de sua vida em família. Os encontros e festas, os
desencontros e tormentos vividos pelas coisas que fora obrigada a passar sem
desejar ter vivido e da forma como viveu.
Hoje seu ódio tinha chegado ao estremo. Todas
as coisas relacionadas a fé cristã a incomodavam profundamente. Elas eram tão
repugnantes que se via uma pessoa obcecada e determinada a acabar com tudo relacionado
aos ícones religiosos. Se fosse corajosa e poderosa exterminaria também todos
os cristãos da face da terra. Perdera a conta da quantidade de imagens, de terços
e santinhos de papel já havia destruído e queimado. Sem contar da forma cruel com
que tratou todas as pessoas identificadas como cristãos. Não suportava a ideia
nem mesmo a possibilidade, de usufruir da amizade de uma única pessoa sequer
que se intitulasse como cristão.
De onde vem tamanho ódio? Da austeridade do
pai? Da ausência da mãe ou da rotina religiosa e radical da avó que rezava o
dia inteiro e que a obrigava ser sempre sua companhia na rezação. Perdera a
conta de quantas vezes ajoelhada, rezou apenas por obrigação; de quantos
pensamentos, desejos e intenções estavam distantes de todo aquele universo
vivido em família.
Milenna era agora uma iconociasta que num ataque
de fúria ateara fogo em uma iconoteca destruindo todas as obras que lá
existiam. A coragem para tal fato veio da voz da colega Micaela, agora presa
por ter matado o vigia, e que repetidas vezes insistiu: “Eles destruíram sua
vida, sua identidade... Agora é hora da sua vingança”. Ainda diante do espelho
e refém de seus pensamentos ouve, como um eco, a frase que incentivou tal fato.
Diante de si mesma, voltando à consciência,
mira-se no espelho e de alto a baixo. Analisa sua imagem refletida. O presente
agora era o seu passado as avessas. Negara a história de vida, suas frustrações
e na ânsia de ser melhor e mais feliz transformou-se em outro alguém sem
transformar seu interior. Vivia as mesmas raivas, os mesmos sentimentos de
antes. Tornara-se um altar vivo. Em mente se vê com o prêmio de miss que ganhara
no mês passado e percebe que como um cordão preso ao pescoço carregava a si
mesma como um próprio ícone.
Uma mão amiga toca seu ombro com leveza, o
calor da aproximação arrepia até os ossos. O bafo quente do sussurro ao pé do
ouvido toca a alma espremendo toda dor que bruscamente sai como um vomitório pranto. Nunca tinha ouvido tais palavras com tanto
amor Coragem, o amor vencerá! Agora estas palavras latentes residiam em sua
mente.
Ainda em frente ao espelho, em meio aos soluços,
desfaz o penteado arrancando a longa e loira peruca. As lágrimas ajudam na
retirada do par de lentes azuis e também facilita o deslize do creme demaquilante
que a elas se mistura.
Cabisbaixa, observada pelas pessoas que estão
no quarto, volta-se para a porta e segue em direção ao banheiro. Despe-se para
um banho quente e demorado. É tudo o que precisa no momento. Completamente nua
analisa a pele enrugada pelo tempo, com o sabonete nas mãos banha-se enquanto
desnuda mentalmente todo disfarce interior. Agora se vê como jamais havia se
visto antes e anuncia sua decisão gritando em alta voz: afeminado sim, mas
acima de tudo José, o filho de Deus!
3 comentários:
Muito show de bola, parabéns lindo texto nossa viajei aqui muito bom.
Att: Zinho Santos Vértice do Céu.
Acho que não ficou muito claro para mim sua posição com o texto, se é que vc está defendendo alguma posição.
O texto trata sobre um afeminado, que é revelado ao final, mas o que vc quer dizer com : "acima de tudo um filho de Deus?"
Que essa sua prática (de afeminado) deve ser aceita, afinal ele é um filho de Deus ou que, apesar dessa sua prática, ele ainda assim é um filho de Deus?
Vc pode me esclarecer?
Gostei muito da maneira como vc escreve. Parabéns! Só hj deu tempo de ler. Beijos. My.
Surpreendente! Eu não esperava por este desfecho. Parabéns pelo impacto que essa sua personagem causou.
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