A
IMPERATRIZ
Suzana da Cunha Lima
Eu estava
desconfiada de meu marido há tempos: distante, de pouco falar e sorrir, mal me
cumprimentava ao sair e voltar do serviço. Começara a chegar mais tarde do que
o habitual e a trabalhar aos sábados.
Vinha
quieto, colocava o pijama e pegava o jornal, como se eu não estivesse ali.
Às vezes eu perguntava qualquer coisa só para não ficar aquele
silêncio:
- Algo de
novo no trabalho? Seu Antonio não ia lhe dar um extra pelos sábados que você
trabalhou?
- Vai me
dar em folga.– respondia – e a conversa parava ali. E eu ficando cada vez mais
irritada com aquela situação.
Muitas
vezes ia se deitar quando eu ainda estava vendo a novela, deixando-me só na
sala. Eu já estava a ponto de explodir, mas ele cumpria suas obrigações
direitinho: as contas eram pagas, a despensa nunca estava vazia, mas deixara de
me procurar a tempos, alegando doença, cansaço e outras besteiras que homem
inventa quando não quer mais transar com a mulher. Um dia não me agüentei e
reclamei feio.
- Mas o
que há com você, Tomaz? Pensa que sou algum robô que cuida da casa? Sou
invisível, por acaso? Nunca dá uma risada, nunca diz obrigado, nunca conta algo
novo, nem me procura mais...
- Está te
faltando alguma coisa, das Dores? Para de reclamar, mulher. Quero um pouco de
paz quando chego em casa.
Eu resolvi
não discutir. Fui me queixar com minha comadre, que morava no fim da rua e ela
me aconselhou a ir numa cigana conhecida dela. Ela traz qualquer um de volta,
conheço muita gente que foi lá e não se arrependeu. - Mas não há de ser
mulher não, comadre. Sr. Tomaz é quieto demais, vai ver está mal de saúde
mesmo....Tome aqui o anúncio dela, bem bonito, não é.
Peguei o
papel e olhei:
ESTE
ESPAÇO É SEU
MAS SEU
PROBLEMA É MEU
As letras
eram vermelhas e pareciam sair de uma bola de cristal. Em volta, estrelas e
raios dourados. Bacana mesmo.
O anuncio
era bem criativo, me chamou a atenção e assim resolvi marcar hora.
Ela tinha
horário para daí a dois dias e o consultório era perto do metrô, fácil de ir e
vir.
Cheguei lá
bem excitada com a novidade. Nunca tinha ido antes a ciganas, cartomantes ou
coisas do tipo.
Casinha de
vila, bem jeitosa, com um lindo jardinzinho à frente, A cigana me recebeu
sorridente no portão e levou-me ao fundo do quintal, numa espécie de edícula.
Fez-me entrar num cômodo grande, que estava à meia-luz. No meio da sala havia
uma mesa redonda e duas cadeiras.
Ela
sentou-se, ligou um cd e uma musica lenta começou a tocar. Depois colocou as
mãos num baralho, fechou os olhos, respirou pesadamente, e, mesmo sem olhar me
perguntou:
- Maria
das Dores é seu nome, não é?
- Sim
senhora. - respondi, já com vontade de chorar, me sentindo tão miserável
com meus problemas.
- Fique à
vontade, o espaço é seu, pode relaxar, apreciar a música que está tocando. Seu
problema agora é meu. Vejo que a senhora está muito tensa e também pensando de
que jeito eu posso lhe ajudar, não é?
- Verdade.
Ela abriu
os olhos lentamente e reparei que tinha olhos bem bonitos, que pareciam sorrir
para mim. Eta carência danada, pensei. Ela pegou o baralho do tarô,
embaralhou, pediu para eu cortar e colocou as cartas em montinhos,
- Conhece
o tarô?
- Já ouvi
falar, mas nunca tinha visto nenhum.
- É muito
antigo, sabe. Aqui eu uso como um guia, para captar a energia que está fluindo
agora, neste momento, nos aspectos essenciais de sua vida.. Coloco as cartas
nestes montes, que significam família, trabalho, sonho e amor. Lembre-se que
não sou vidente, não vejo o futuro, apenas sinto esta força e mentalizo para
onde ela pode levar. Não tenho poder algum que você mesma não tenha.
- Como é?
Eu tenho algum poder? Então, o que faço aqui?
Ela
sorriu:
-Todos nós
temos poder, porque somos filhos do mesmo Deus que nos criou. Apenas não
sabemos como fazer para descobrir estes poderes e usá-los para o bem. Tire uma
carta aqui do monte que quiser, daquele que lhe perturba mais.
Não sei se
foram aqueles olhos verdes que me hipnotizaram ou minha angústia que precisava
sair do meu peito, mas enquanto tirava uma carta do monte do amor, despejei
naquela mesa minha história, aos trancos, como alimento mal digerido.
- Meu
marido já não me procura mais, está muito esquisito, penso que arranjou outra
mulher por aí.
Ela levantou
a carta que eu tinha entregue e comentou:- Interessante, é a figura da
Imperatriz! – e foi ela mesma descobrindo as outras cartas que estavam nos
montinhos e para cada uma delas ela fazia uma observação. Nem me lembro
mais quando tempo fiquei lá, só sei que, ao sair, quando quis pagar, ela me
disse:
- Só
vai me pagar quando seu problema tiver sido resolvido. Mas precisa fazer
o que estou lhe orientando agora. Chegue em casa, prepare o prato preferido de
seu marido, arrume a mesa, bem caprichada. Esteja bonita e cheirosa
quando ele chegar do trabalho, mas não dê a entender que o estava esperando
assim, e sim que tinha saído daquela maneira. Ponha algumas caraminholas na
cabeça dele - disse rindo.
-
Caraminholas? Perguntei abobada.
- Isso.
Homem não pode ficar achando que já conquistou a mulher, sabe? Tem que manter
ele preocupado. Ah, e morda a língua toda vez que quiser reclamar de alguma
coisa, faça isso por uma semana pelo menos, é seu dever de casa.
Saí dali
totalmente zonza, sem saber o que pensar. Mas fiz direitinho o que ela me
mandou. Minha língua quase caiu de tanto que mordi e foi quando reparei
como eu estava reclamona. Quando chegava a hora dele chegar, me lembrava
de tirar o vestido velho de casa e me fazer bonita, colocar um batom, um
perfume. Nossa, pensei, eu andava feito uma faxineira dentro de casa,
ultimamente; claro que ele nem me olhava direito, já fazia parte dos móveis e
utensílios. E uma coisa puxava a outra: passei a usar umas camisolas bonitas,
uma lingerie mais sensual. Fiquei com gosto de cozinhar, abri o velho
caderno de receitas e comecei a preparar uns pratos diferentes. E os resultados
foram fantásticos.
Parece que
pela primeira vez, depois de anos de casados, Tomaz reparou em mim como mulher
e não como a governante de sua casa. Até aproveitamos os dias de folga que ele
tinha para viajarmos juntos.
Quando fui
pagar à cigana perguntei o que queria dizer a carta da Imperatriz, a primeira
que ela tinha tirado do monte do amor.
-.Já
reparou como a Imperatriz estava ricamente vestida, com flores na mão?
Ela não usa nenhuma adaga, faca ou punhal. As armas dela são outras e
muito mais eficientes. No entanto tem força, tem coragem, tem o domínio total.
Então, todas as mulheres são como a Imperatriz, carregam dentro de si o mesmo
Poder. Mas só podem usá-lo através de uma arma única, que elas esquecem
no meio das panelas e aventais: A Sedução.
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