(imagem trazida do site: http://clebersa.com.br/causos-reais/cacamos-ou-fomos-cacados-parte-2/)
CAMBYÇARA – Aquele que alimenta
Suzana da Cunha Lima
A tribo Kalapalo situava-se perto do Rio Xingu e por essa razão, as ocas
ficavam em cima de palafitas rústicas, devido às cheias do rio. Nesta ocasião,
os homens da aldeia tinham saído há várias luas para caçar, pois já faltava
comida para as crianças e velhos que tinham ficado. Cauã era o
único filho homem de sua família e começou a ficar apreensivo. Ele
sentia-se responsável por eles. Assim, foi até o pajé Juruna e pediu
autorização para levar a canoa ao rio, numa tentativa de trazer peixes para sua
comunidade. O pajé olhou pensativo para aquele curumim valente, de apenas
dez anos, e deu sua autorização com o coração apertado. O rio era muito bom e
piscoso, mas também caprichoso, com fortes correntes que levavam, às vezes, as
embarcações para longe, ou para as corredeiras ou para igarapés distantes, onde
facilmente, mesmo um pescador experiente, poderia se perder para sempre. Os
poucos guerreiros que sabiam de suas manhas estavam todos fora, tentando
trazer comida para a tribo.
Cauá pegou a linha de pesca e o saburá onde colocou as minhocas.
Antes de embarcar, suplicou à mãe das águas que o guiasse para bons pesqueiros
e o trouxesse de volta antes de Jaci, a lua, chegar aos céus, porque nunca
havia entrado sozinho naquele rio.
Porém, mal entrou na água, sentiu ser puxado com força para o meio do
rio. Ele mal conseguia se manter dentro da canoa, que parecia voar naquelas
águas turbulentas. Já podia ouvir o rugir das perigosas corredeiras adiante.
Parecia que Itupiara, o deus raivoso das águas, não o queria ali. Que destino
sem glória para um futuro guerreiro Kalapalo!. Quando achou que tudo estava
perdido, subitamente a canoa estacou, como se algo a fizesse parar e o menino
viu à sua frente, a mãe das águas, Iara, lindamente vestida com folhas e flores
que nascem à beira dos rios. Ela fez parar a canoa, mesmo naquelas águas
revoltas, com apenas uma mão. Com a outra, fez um sinal para o deus raivoso ir
embora. Naquela hora as águas se acalmaram e ela disse para Cauã, ajoelhado na
canoa e totalmente sem ação:
- Você é bom menino, Cauã. Seu pai, Ajaguanã, guerreiro
forte, é meu protegido. Mas esta parte do rio é de Tapiraçá, que tem olhos de
anta e ele não gosta que cheguem por estas bandas. Volte, eu vou
empurrar esta canoa até chegar de onde saiu. Só retorne quando se tornar homem,
grande guerreiro, como seu pai.
Cauã sentiu a canoa se deslocar e voltar pelo mesmo caminho, como
se uma mão invisível a conduzisse, com suavidade e ligeireza pelas águas já tranquilas.
Ele estava assustado, porém maravilhado pela presença de Iara e grato porque
ela o salvara das corredeiras e de morrer afogado, mas muito triste e com
vergonha porque não tinha conseguido pescar um único peixe. Sentia-se um
imprestável.
Quando ele atracou, no mesmo lugar que saíra, sua família estava toda na
margem, preocupados com ele e o acolheram com muitos abraços alegres
porque ele voltara vivo daquela aventura.
Porém, ao puxar a canoa para terra firme, notaram que ela estava repleta
de peixes. Cauã ficou espantadíssimo. Não sabia como explicar aquilo.
Será que Iara percebera sua aflição e enchera de pesca sua canoa? Estava
atônito. Quando chegaram na tribo, ele foi ovacionado como um rei.
Aqueles peixes alimentaram a tribo até os caçadores chegarem. E este foi
um Dia de Festa. Dançaram e cantaram em volta da fogueira e naquele momento
especial, o cacique Raoni, o grande Chefe, e Juruna, o pajé, lhe deram outro
nome: CAMBYÇARA, aquele que alimenta.
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