DESCOBERTA!
Dinah Ribeiro de Amorim
Meus avós faleceram quando eu era jovem,
dezoito anos. Deixaram um sobrado antigo, em Vila Mariana, onde passei minha
infância e adolescência. Tiveram oito filhos, queridos tios e tias, ficando
alguns solteiros e participantes de minha mocidade. Com a morte dos pais,
resolveram deixar a casa e mudar para um apartamento.
Meu sobrado de infância, abandonado, cheio de
mato, sem a alegria e a luz de outrora, deu-me muita tristeza e saudade.
Às vezes, costumava ficar estacionada no
portão, horas e horas, pensando em entrar e relembrar meu passado.
Um dia, pensei: “Vou entrar e ver como está
por dentro”, embora fosse advertida pelas tias que poderia ser perigoso. Alguma
invasão no fundo do quintal!
Fiz isso e, logo que abri as portas,
verifiquei seu estado lastimável! Muito sujo, descuidado, à espera de
compradores. Percorri seus cômodos antigos e altos, de papéis rasgados e
desbotados nas alegres paredes de minha memória. Lugares em que dormíamos,
conversávamos, dançavam, relembrando minha família e os momentos felizes
passados com ela.
Vovô no quintal, aos domingos, mexendo na
horta; vovó, corada e risonha, com suas eternas trancinhas, fazendo pastéis na
cozinha, batendo no teto, de quando em quando, com sua bengala de cabo grosso,
para acordar as filhas que descansavam após uma semana de trabalho. Quase
todas, funcionárias públicas!
Fui despertada de minhas recordações por um
leve ruído que parecia vir do fundo do quintal. Como este era grande, cheio de
plantas e com um galinheiro no fundo, atribuí o barulho a algum bicho ou galho
batendo.
Havia uma adega ou porão, junto à
escrivaninha do meu avô, embaixo da grande e larga escada, na qual brincávamos
de correr. A abertura dessa adega, de forma quadrada, disfarçada pelo assoalho
de madeira, só era usada pelo meu avô. Nunca soubemos o que continha ou o que
lá se guardava. Descia-se por uma escadinha. Muito curiosa, decidi abri-la e verificar
como era ou se ainda possuía alguma coisa.
Desci os degraus já estragados pelo tempo,
deparando com uma grande escuridão, pois não havia janelas. Procurei não me
afastar muito da entrada, mas o ambiente era pequeno, vazio, com incrível
cheiro de mofo e poeira. Algumas teias de aranhas coçavam meu rosto e tentei
afastá-las para enxergar melhor. Realmente, haviam levado tudo e, ia voltar
quando percebi uma caixa branca, ao lado da escadinha, encostada nela! Que será
que haveria, pensei. Talvez enfeites de Natal, pois meu avô gostava de enfeitar
ele mesmo a casa, nessas épocas!
Apanhei-a, coloquei debaixo do braço e
retornei para um lugar mais claro. Abri-a com curiosidade! Estava cheia de
fotos velhas, de meus avós jovens, tios pequenos, membros da família já
falecidos, chamando minha atenção uma foto de minha bisavó, dama elegante,
atraente, grávida, orando fervorosamente para uma tela do anjo Rafael. Em
estado de contemplação e súplica! Achei-a muito interessante e, perto da foto,
guardado carinhosamente, embrulhado em papel de seda amarelado e encardido, uma
figurinha de vidro, do anjo Rafael, presa por um elástico. Muito emocionada,
fechei a caixa pensando em levá-la às tias que restavam, devolvê-la à família,
descobrindo agora o porquê do nome de meu avô: Rafael, dando início a uma série
desse nome, continuando em netos e bisnetos.
Na saída, assustei-me e quase derrubei tudo
no chão. O portão estava escancarado e alguém mexia no meu carro: um garoto de
mais ou menos quinze anos, com camiseta vermelha e boné escuro, forçava a
fechadura. Dei um grito bem alto clamando por Socorro! Invoquei também o anjo
Rafael, protetor de meu avô e sua mãe. Imediatamente, o rapaz, assustado, saiu
correndo, pensando talvez que houvesse mais gente comigo. Novamente, nosso anjo
protetor entrando em ação!
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