Sem o sol, a lua nada vale
Suzana da Cunha Lima
Um dia cheguei em casa e encontrei um caos. Havia um buraco na parede do meu quarto, e minha cama estava riscada. Tive umatremedeira, não sabia quem fizera aquilo tudo e porquê. Não levaram nada o que aumentou meu temor: fora Vingança? Ódio? Algumaarmação? Eu estava em desvantagem, porque o autor daquilo conhecia onde eu morava e eu não tinha a menor idéia de quem pudesse ser. E por que só no quarto? Que recado queriam me dar? Eu tinha me mudado recentemente, estava tudo novo e bonito e agora, aquilo!
Tinham deixado um papel em formato de lua com uma única palavra:Traição.
Em cima, talvez para o papel não voar, um copo quase cheio. Lembro que não toquei em nada e apavorada, pensei que naquela altura, a únicasaída era chamar a policia.
Os detetives chegaram em casa, examinaram tudo, tentaram achar impressões digitais e me fizeram uma série de perguntas:
.- Não telefonaram? Não pediram dinheiro?
- Não, nada, isso foi ontem à noite e até agora nada.
- Bom, o bilhete diz: Traição. Há alguém que tenha raiva de você, você tem algum inimigo? A senhora revelou algum segredo que não podia revelar? Desculpe, mas a senhora traiu alguma amiga, andou com o marido de alguém?
- Não, de jeito nenhum. Sou uma pessoa ética, tenho boas amigas. Estou há muito tempo no mesmo emprego e no mesmo apartamento.
- E no seu trabalho? Houve algum incidente desagradável?
- Bom, eu trabalho em Recursos Humanos, no setor de demissões. É muito difícil lidar com as pessoas. Sabem, ninguém se conforma em ser demitido, sempre aparece alguém com raiva e pensam que eu sou a responsável pela dispensa. – pensei um pouco – mas eu sempre soube contornar estes problemas.
Ao terminar o serviço, os policiais levaram o copo com todo cuidado para examinarem que beberagem ele continha e se havia chance de ter impressões digitais. Aconselharam-me a trocar as fechaduras e trancar muito bem as janelas, porque meu apartamento era térreo. E avisar ao porteiro, que lhes pareceu meio distraído, que não deixasse ninguém entrar sem minha ordem. E ainda sugeriram que, no trabalho, eu pedisse transferência para outro setor menos espinhoso.
Achei melhor passar um tempinho na casa de uma amiga, noutro bairro. Na partida, tranquei tudo e fui para lá. Mas no trabalho não houve jeito de mudar de setor.
Alguns dias se passaram, eu sentia uma friagem no corpo, como se fosse ficar doente. Certamente era o clima de suspense, pela situação que eu havia passado e que não tivera nenhuma explicação até agora. A polícia ainda estava em investigação.
Eu já estava com vontade de voltar para casa, quando li no jornal que haviam achado um corpo enterrado no rio. E havia no seu bolso, um pedaço de papel em formato de lua onde estava escrito: traição. Igualzinho ao papel que me deixaram.
Morri de susto, fui a polícia sem saber o que fazer. Eles disseram que achavam que era o modus operandi de um bandido perigoso, de alcunhaMagro, que tinha saído da prisão na condicional, há quase um mês. Um absurdo, porque o cara era perigoso, autor de muitas mortes macabras. O negócio é que não haviam achado o revólver que ele usava, só sabiam o calibre da bala.
Aí, o delegado me chamou na sua sala e disse:
- Olhe, a investigação de seu caso tomou outros rumos. As impressões digitais do copo são as mesmas deste bandido, o Magro, o que o aponta como autor do vandalismo que fez no seu apartamento. E o que ele foi fazer lá, já que nada roubou, nem lhe esperou chegar para matá-la? O quadro agora está ficando claro: este bandido guardava o revólver num buraco aberto na parede de seu quarto, antes da senhora comprá-lo. Provavelmente escondido atrás de um quadro. O apartamento era de uma amásia dele, Edineuza, mais tarde morta numa guerra entre facções. Quando pintaram e reformaram o apê para poder vender, taparam este buraco. Ele estava na prisão, de nada sabia desta reforma. Quando foi solto, a primeira coisa que fez foi procurar a arma lá escondida. Mas já não estava lá. Imagine como ele deve ter ficado furioso! E quando foi procurar a amásia para tomar satisfação, soube de sua morte. Daí o bilhete escrito traição. Quem tirou o revólver do buraco, antes da reforma? Certamente Edineuza, que o traia com o chefe da gang rival. E acabou sendo morta.
E o revólver, foi parar aonde? Este corpo achado no rio é de um chefe de gang, provavelmente o mesmo que o estava traindo com Edineuza. Esta a razão do mesmo bilhete em forma de lua, escrito traição, no bolso do morto. – o delegado suspirou - Tudo muito certinho, mas continuamos sem saber onde está o revólver.
- E onde anda o tal Magro? Perguntei preocupadíssima. Não está solto, está?
- Agora não mais. As impressões digitais dele são as mesmas encontradas no copo, assim pudemos prendê-lo, sob a acusação de vandalismo, invasão de propriedade etc. , além de violação da condicional. Estamos agora reunindo todas as provas que temos, para que ele seja acusado por assassinato e volte à prisão para sempre.,. Só falta achar o revólver, para provar que as balas encontradas nos corpos, veio daquela arma, que é dele. Estamos neste pé. Mas não se preocupe, pode voltar para sua casa, o bandido está bem preso.
Voltei para casa ainda preocupada. A questão do revólver ficou ruminando em minha cabeça. Fui trabalhar naquele dia tentando pensar como tinha sido o processo de compra do apê. Eu me lembrava de uma mulher ainda jovem chamada Eloísa, que me vendeu o apê por um preço bem em conta, dizendo que era da irmã Edineusa que havia morrido. Ela o tinha pintado recentemente, estava em boas condições. Eu gostei do imóvel e acertamos o preço na hora. E incrível como pareça, estava tudo em ordem no Cartório.
Estava tentando me lembrar se eu notara algo na parede do quarto. E subitamente, me veio à mente a conversa de Eloísa:
- Só tenho que lhe avisar que a descarga do banheiro do outro quarto não está funcionando muito bem. Como tem o banheiro da suíte, e do lavabo, minha irmã não se preocupou em consertar. Mas é só isso, está tudo em ordem.
Chegando em casa fui imediatamente ver o banheiro do outro quarto, muito pouco usado por mim. Realmente, a gente puxava o cordão e nada acontecia. Subi num banco e espiei lá em cima. Havia um embrulho enrolado na bóia. Meu coração começou a bater feito louco. Não quis mexer em nada. Chamei a polícia e veio o investigador do caso.
- Achamos afinal o revólver, disse ele bem satisfeito. Mas quem o colocou ali e por quê?
O delegado acabou decifrando a charada.
- Acho que Edineusa colocou o revólver no banheiro para ter uma arma à sua disposição, pois o Magro bem poderia descobrir sua traição e querer matá-la. Depois os acontecimentos se precipitaram, ela acabou sendo morta e ninguém ficou sabendo onde ela tinha escondido o revólver.
- E como o Magro matava suas vítimas? Perguntei curiosa.
- Ele as asfixiava com um saco plástico e depois dava um tiro no rosto. Esta última vítima foi só asfixiada, ele estava sem o revólver, mas antes torturou-a com requintes de crueldade, imagino o ódio que ele estava sentindo.
- E por que um papel em forma de lua?
- Ah, acho que é um código entre eles, na prisão, que significa “sem o sol, a lua nada vale” - geralmente usam em casos de traição, por adultério, crimes sem perdão, no meio deles. Bom, a senhora tem boa memória, nos ajudou muito nessa investigação. Pode agora descansar e dormir em paz. Já chegam suas atribulações de trabalho.
Suzana da Cunha Lima
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