O relógio sabia de
tudo
Ana Maria Maruggi
A porta bateu com urgência
à saída de Gustavo, que na pressa deixou esquecida a carteira sobre a cama de
Amélia. Ela aflita escafedeu-se para banhar-se e perfumar o corpo com intuito
de esconder o que se passara há pouco. O relógio atônito agoniava de ver tanta
correria de todos quando ia dando seis da tarde. Tinha presenciado o jovem
Gustavo vestir-se ligeiro para sair antes que o marido de sua amante
adentrasse. Viu também que a mulher, pivô de toda a situação, estava aliviada
depois do banho, e não sentia culpa pelo acontecido. O relógio expulsou o
marido para casa, pois não queria vê-lo atrasar-se para receber os carinhos da
esposa infiel.
A carteira lá estava descansando
abandonada sobre o traiçoeiro colchão de lençóis bem alinhados sob a colcha
branca. Uma carteira marrom em couro macio que estufava de dinheiro, cartões e
bilhetes reveladores.
Gustavo não percebeu.
Amélia não viu. O relógio sabia de tudo.
Nas seis badaladas do carrilhão
da sala, entrou o marido traído sorrindo e chamando pelo nome da esposa
traidora. Nas mãos ele trazia um presente embalado em pequena caixa brilhante.
Ela deixou-se conduzir esbelta até o marido, tocou-lhe com os lábios
recém-pintados, e demonstrou alegria pelo presente que recebia. Estancou ao
ouvir o pedido do esposo: abra apenas no
dia de seu aniversário – sussurrou ele para ela. Talvez não conseguisse
esperar tanto, mas tentaria. Sabia que há muito o marido queria lhe dar um par
de brincos brancos vindos da África, mas a falta de dinheiro o impedira.
Preguiçosa a carteira esperava
estufada sobre o leito. Estava cheia de dinheiro que o marido traído precisava
para pagar as contas da esposa infiel. Ele entrou cantarolando no cômodo e deu
com a estranha carteira toda marrom e sedutora sobre sua cama. Engasgou de
ódio. Abriu-a rapidamente antes de dizer qualquer coisa, certificou-se de seu
proprietário, e espantou-se quieto com tanto dinheiro. Primeiro praguejou.
Depois sorriu. Guardou-a em lugar seguro. Calou-se. O relógio finalmente poderia
badalar tranquilamente sem medo de ruidar.
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