A
TEMPESTADE
Andréa
Iasz
Beto, com seus
quatorze anos de idade não era o que parecia ser. Ficava se contendo o dia todo
“pagando” de garoto bonzinho, mas era só chegar o fim da tarde e as portas da
loja se fecharem para se rebelar e transformar o lugar em que vivia , em um espaço
de guerra e medo.
Na rua 25 de março a
loja 6 era muito visitada, dada a variedade de mercadorias expostas, e pelo bom
preço que oferecia. A loja era muito organizada e os artigos, na maioria deles,
de boa qualidade. Beto sabia disso e
sentia ciúmes de muitos que viviam ali. No entanto, o que ele menos suportava
era quando as pessoas se voltavam para ele referindo-se a uma sombrinha.
Sentia-se desvalorizado, pequeno e medíocre.
A verdade era que ao
ver-se no espelho, admirava-se. Cabo longo feito de madeira de lei lapidada, polida
e bem envernizada. Sua armação era de fibra leve e resistente coberta por uma
lona preta bem costurada e impermeável. A mesma usada na fabricação de balões. Possuía
uma capa, também preta, que o fazia sentir-se um super-homem. Bem, um
super-homem escolhe fazer o bem, e ele se alegrava ao ver as pessoas
profundamente estressadas.
Todos os dias o
senhor Terui chegava em sua loja bem cedo, fazia a ronda e sempre encontrava um
setor desarrumado. Não entendia. Nunca era roubado, mas a pessoa que passava
por lá sabia desarrumar tudo.
Sem respostas,
intrigado e profundamente irritado mandou instalar câmeras no interior da loja a fim de descobrir quem era o desordeiro.
E para sua surpresa na primeira análise do vídeo assistiu como que uma
tempestade de desordem. Quietinho e bem escondido em uma prateleira Beto se
levantava ao ouvir o barulho da chave trancando a loja. De semblante
transfigurado saía passeando pela loja. Apontava e ameaçava deixando bem claro
sua intolerância a qualquer objeto que demonstrasse algum tipo de
descontentamento. Observava os rostos das outras mercadorias procurando
identificar o mais amedrontado. Ria fazendo caretas de debochado. Algumas iam
ao chão só pelo fato de se agitarem com suas tremedeiras. Outras agrupavam-se
tentando proteger-se mutuamente. Ninguém ousava dizer nada. Outros desviavam o
olhar com medo de serem fitados.
Seu Terui ficou
indignado ao ver o tamanho do medo de todos. Beto não chegava nem perto das
mercadorias. Elas se desorganizavam sozinhas, para satisfação do rebelde
guarda-chuva, que não se divertia só com o agito dos hospedes, mas também ao
ver o desgosto do dono da loja e de seus funcionários arrumando tudo no dia
seguinte.
O que fazer para dar
um basta naquilo? Pensativo Terui buscava uma resposta. Ele amava aquele
guarda-chuva que fora feito pelo seu pai antes de morrer. Queria eternizá-lo. Não
punha preço e negava vendê-lo, todas as vezes em que alguém tentava comprá-lo.
Era guardado ali apenas para atrair os compradores dos outros artigos
destinados a frio e chuva.
Dias se passaram sem
resposta. Beto conseguira o que mais queria. O desgosto e a tristeza do senhor
Terui que tinha nele a obra mais preciosa do grande artesão Shinaga.
Passado alguns dias
senhor Terui reúne os funcionário, anuncia férias coletivas de 15 dias e não
mais abre as portas do estabelecimento
neste período. Ninguém entendeu a reação
do patrão, nem mesmo Beto que festeja a liberdade devastando a loja em dois
dias inteiros. No terceiro dia ele olha para a porta e ninguém aparece para
arrumar as coisas. No quarto dia a melancolia começa a se estabelecer em seu
coração e no final do décimo já não cabe mais espaço para tanto arrependimento.
Sentia-se só, frustrado. Olhar para a loja toda desarrumada era muito triste.
Arrumar? Não daria conta sozinho.
Na tentativa de
chamar a atenção começa a conversar com os que encontrava pelo caminho, e já
não tinham mais medo do novo semblante de Beto. Aos berros e desesperado sai
gritando pelo espaço. “O que são férias coletivas? Para onde foram todos? O que
vai acontecer agora? Porque ninguém me responde? Socorro, estou com medo!” Pensando ter sido definitivamente abandonado
adormece chorando aos pés da porta. Já era o final do décimo quinto dia.
Um saudoso barulho
emitido pela porta acorda Beto que sente alguém apanhá-lo. É o senhor Terui com
seu olhar espantado e enraivecido por ver a loja completamente desarrumada.
“Bom trabalho sua sombrinha duma figa. É hoje que eu acabo com esta história
definitivamente. Vou colocá-lo a venda! O amor que tenho por você não vale todo
este desgosto.”
As palavras
embargadas emitidas pelo velho companheiro fizeram com que Beto percebesse o
quanto estava errado em se divertir com a dor do outro. Jurou para si mesmo que
a partir daquele dia jamais repetiria qualquer desagrado que fosse.
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