O TREM - VIAGEM SEM DESTINO
Maria Luiza
de C.Malina
Paris é uma cidade repleta de
surpresas. A plataforma à espera do trem, mais se parece a entrada de teatro
para a apresentação de uma ópera. Neste embarque os trajes são de marcante
elegância e, muita bagagem.
O olhar evasivo em nada combina com o
rapaz que traja um longo e pesado casaco negro de lã, que caminha de um lado a
outro com as mãos recolhidas no bolso, abrigando o traje tão social, quanto sua
postura. De “smoking”, com a gola da alva camisa levemente desabotoada e a
pequena gravata, ainda solta em seu pescoço, balança ao vento.
Aos poucos os detalhes da vestimenta
revelam a beleza de seu porte elegante ao subir no vagão. Embora inquieto e com
a expressão cansada, havia chamado a atenção dos passageiros atentos ao aviso
de embarque.
Sigo-o com um olhar para descobrir o
número de sua cabine. Desaparece entre o circular dos viajantes. Não. Não
desaparece. Dirige-se direto ao vagão restaurante. Deposita a grossa carteira
sobre a mesa, próxima ao vaso de flores, no parapeito da janela..
Localizo e acomodo as malas na minha
cabine ricamente decorada, com todo o conforto e necessidades para os próximos
6 dias. É um verdadeiro “flat” sobre os trilhos. Jogo-me na cama e
imediatamente penso no jovem, que para minha surpresa, estava sem bagagem.
A velocidade do trem vai de encontro
a minha curiosidade. Leio a programação. Esta perfeita. Manhãs saborosas
culminando com jantares sofisticados, previamente personalizados, de acordo com
o menu, no período da compra do pacote, ao som de piano.
Vasculho os outros 2 vagões
restaurantes. Ao passar pelo de cor azul, surpreendo-me ao ver aquela figura
solitária, sentada no mesmo lugar do dia do embarque.
Sento-me um pouco afastada de sua
mesa e, arrisco uma pergunta ao compenetrado garçom:
- Por favor, qual é a cabine deste
senhor?
Ao que me responde:
- A senhora deseja companhia? –
responde-me com uma pergunta, apontando o cardápio de bebidas, afastando-se.
Percebi, na atitude do garçom a indiscrição de minha pergunta. Provavelmente a
tripulação deveria estar atenta a sua estranha atitude.
A minha curiosidade cresce mais
rápida do que sua própria barba. Mas continua bonito. A cena repete-se nos
próximos dias. Sem qualquer palavra a refeição lhe é colocada à sua frente
junto a uma taça de água. O olhar perdido no silêncio, pousa sem interesse, na
bela, branca e fria paisagem, após tocar levemente na refeição.
Os dias de expectativa de um grande
encontro, transformaram-se em pura especulação fracassada. Senti que minha
bagagem estava densa, embora a viagem tenha superado a espera.
Ao sair, na plataforma ainda arrisco
um olhar com um aceno de mão. Perplexa, não sou correspondida. Sequer um leve
menear de cabeça no belo rosto sem expressão. Espero o trem partir. Acendo o
cigarro sem lhe tirar os olhos que estão fixos aos meus. Uma longa tragada. Não
percebe a fumaça. O trem parte esvaecendo a tentativa de aproximação.
Eu a mala e o cigarro, seguimos
adiante.
A expressão de um vazio cheio de vida
não me abandona. Apaixonara-me por um morto vivo. A rotina fora dos trilhos
voltara ao
normal.
Sua presença ainda ocupa boa parte dos meus dias.
Ao folhear uma das tantas revistas
compradas em Paris, para entreter-me na viagem, o reconheço. A reportagem
trazia a foto da união de duas famílias tradicionais, anunciando a data, cuja data
correspondia ao dia anterior ao embarque.
Tão lindo e tão ausente. Tão próximo
e tão longe. Tão só e eu tão...
Vou a procura de novas noticias.
Preciso reencontrá-lo. Preciso entender.
Eu tenho certeza de seu
rumo, ou penso que tenho. Pode ser que retorne com o mesmo trem. Vou
diariamente à estação.
Um dia voltarei a Paris.
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