Minha blusinha
Hirtis Lazarin
Sabe Hirtis querida, já faz tanto tempo...
Lá estava eu esquecida, sentida, escondida, em meio a tantas outras, as de cores vibrantes, as preferidas.
No meio da noite, quantas vezes, superando minha fragilidade, dando um empurrãozinho aqui, outro acolá, sem provocar alvoroço, colocava-me a frente das demais. Eu também queria ser notada, apreciada, ser levada dali.
Mas antes mesmo das portas se abrirem, dedos poderosos me empurravam, escondendo-me no fundo da prateleira. Qual o verdadeiro motivo dessa rejeição? A minha cor suave, pastel não agradava ninguém? O meu chorar miudinho não incomodava. Só o meu coração amargurado queimava de dor.
Até que um dia, com a esperança já amarelecida e desbotada, ouço uma voz perguntando por mim. Me aprumo, estufo o peito, abro um sorriso escancarado... A primeira impressão marca-nos pro resto da vida.
Fui levada dali e minha vida se transformou. Todas as tardes, sentada na cadeira de balanço acomodada no cantinho do alpendre, uma gentil senhora tirava-me do cestinho de palha trançada e, com duas varetas lisas e pontiagudas, pacientemente, me desenrolava. E aos pouquinhos novos contornos eu ia assumindo.
Àquela felicidade expressa no rosto de rugas, eu somava à minha. E com o passar dos dias, do novelo nada mais sobrou.
Estendido sobre a cama me descobri: eu era, agora, um casaquinho rendado, modelado e presenteado com laço de cetim.
A obra de arte se completara.
Ela me olhava com amor e ternura. A postura de um artista diante de sua arte concluída.
Sabe, Hirtis, você me acolheu emocionada quando completou quinze anos. Percebi duas gotas brotando de seus olhos quando abriu a caixa de presente. Duas gotas que foram sufocadas pra não manchar a maquiagem dos seus olhos azuis.
Acompanhei você em momentos de alegria, de prazer, de magia.
Hoje, aqui guardada num cantinho seu todo especial, sou feliz porque vivi a vida que você me deu, compartilhamos momentos inesquecíveis...
Cumpri minha missão!
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