UMA LONGA
ESPERA!
Dinah Ribeiro de Amorim
Ana rola na cama, olha o relógio. Sete horas. É
cedo ainda.
Levanta-se
como de costume, verifica o calendário como se fosse um vício, hábito antigo,
de longos anos.
Hoje é dia
quinze de outubro. O dia da partida. A única coisa que conseguia lembrar.
Dirige-se
calmamente ao banheiro, lava-se lentamente, escova os longos cabelos
embranquecidos pelo tempo. Antigamente, usava-os curtos e negros, com um brilho
azulado que ele tanto gostara.
Enrola-os
rapidamente num coque como se quisesse afastar lembranças.
Volta ao
quarto, veste-se mecanicamente, coloca um xale sobre seus ombros magros e troca
os chinelos de flanela por um par de sapatos grossos e feios.
Desce as
escadas, abre o portão da rua e sai recebendo no rosto o ar frio da manhã.
Cumpre
esse mesmo ritual há vinte anos. Todo dia quinze de outubro, como prometera.
É tempo
demais. Até para ela que sempre fora fiel, sonhadora, romântica.
O café,
tomaria no bar da estação, antes da chegada do trem das 8,00h.
Estranha
sensação a invade, enquanto caminha. Um vazio incrível. Um desânimo, uma
ausência de tudo, como se nada mais importasse. Envelhecera. Foram longos anos
de espera.
Todo dia
quinze de outubro, naquela mesma hora, à espera do mesmo trem que traria talvez
o homem que nunca veio. Prometera voltar vinte anos atrás em melhor situação e
fizera-a jurar que o esperaria. Que não o esqueceria, nem se casaria com mais
ninguém.
Ela era e
seria sempre dele. Iria embora a trabalho e, logo que tivesse condições,
voltaria para buscá-la.
Esperara
como prometera. Só não pensou que o tempo a fizesse mudar tanto. Seus olhos
eram tristes e sem esperança. Sua boca já não sorria mais. Seus passos, curtos
e rápidos, tornaram-se vagarosos, sem pressa de chegar. Seus sentimentos também
mudaram. Cansara-se de sonhar.
Desperdiçar uma vida inteira desejando alguém
que nunca teve. Vivera uma ilusão. Nunca acontecera o que realmente esperou e,
embora ainda cumpra uma promessa que levara a sério, não sente mais nada. Se
ele voltasse agora, tanto tempo depois,
não saberia o que fazer.
Seus
desejos não eram os mesmos. Tantas coisas haviam mudado... Talvez nem o
reconhecesse.
Chega à
estação e olha em volta: os mesmos bancos velhos e gastos, o mesmo bilheteiro
de tantos anos, muito mais gordo e cansado; suas mãos já tremem quando destaca
os bilhetes.
Uma
mulher, de lenço vermelho na cabeça e vassoura na mão, varre desajeitadamente
os papéis do chão.
Procura um
lugar e senta-se. Já ouve, ao longe, o apito do trem. Seu coração não se
altera. Não bate rápido como em outros tempos. Parece que já sabe que será uma
espera inútil.
Aos
poucos, aproxima-se também um homem coxo, meio curvado, roupas de mendigo, que
aparece de vez em quando na estação. Espera talvez gorjetas de algum passageiro
cheio de bagagens. Ninguém sabe como ele surgiu nem de onde veio e, para
Ana, simplesmente, faz parte também da
paisagem.
O trem
para e, como de costume, ela espera até o último passageiro descer. Nenhum estranho.
Ninguém a procura. Tudo acontece como sempre.
Levanta-se
como de hábito e dirige-se para casa. Sem dor, sem lágrimas, sem ressentimentos.
Traz somente uma decisão no olhar. Não voltaria mais. Crescera finalmente. Não
cumpriria uma promessa a alguém que não a merecera.
Seus
passos agora são mais rápidos e enérgicos. Decidira algo finalmente. Passa pelo
mendigo que a olha mansamente, como a pedir um auxílio. Abre a
bolsa, arranca uns trocados e joga em sua mão. Ele agradece com um sinal e
abaixa a cabeça.
No ano
seguinte, pensa Ana, quem se lembrará de lhe dar esmolas? Ela, não mais.
Afasta-se
logo, apertando seu xale com bastante força. Em casa, haveria de certo muita
coisa a fazer. O mendigo
a olha, ternamente, até seu vulto desaparecer. Beija carinhosamente as moedas e
coloca-as num saquinho de pano, junto às outras que recebera dela nos anos
anteriores.
Voltara
sim. Há muito tempo. Não tivera o sucesso que pretendera, mas nunca a
esquecera. Voltara aleijado e pobre. O orgulho e a vergonha o impediram de se
aproximar e contentava-se em vê-la, uma vez por ano, quando sabia que ela viria
esperar por ele.
Um comentário:
Lindo, emocionante e muito bem escrito, Dinah Amorim. Dá um frio no coração lembrar de uma vida tão desperdiçada...
Beijos, Dinah e parabéns
Suzana
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