O
espelho que desrefletia
Jany Patricio
Gabriel despulou o muro do vizinho e
depois se escondeu atrás do som acalorado do sino que descaia ladeira adentro.
Com
a barulhidade das badaladas, os patos do lago do lado de lá desdeceram das
águas baixas e junto com as nuvens vestidas com pantufas arroseadas, atravessaram
a cerca de capim dourado, descavando o buraco da ladeira que subia para
encontrar o garoto.
Vendo os peixes do lago do lado de cá, que
o vizinho corria com sua espingarda desenferrugada, atirando bolas de sabão
pegajosas e espertas, gritaram em silêncio com cheiro de onda, para o menino
desescorregar da lama e se esconder nos trilhos do trem voador.
Mas de repente, saiu do lago do meio,
um monstro de mil olhos afogueados e quatrocentos braços peludados, que puxou o
trem para o monte de estrelas que reclinavam o sol para os raios violeta da
galáxia.
Por falta de azar, o trilho
despregou-se do trem e Gabriel emburacou no túnel de cristal que atravessava a
montanha que assoprava notas musicais coloridas para todos os lados.
Perdido, no centro dos cristais,
Gabriel sentiu um pingo d’água se encontrar com uma lágrima que fugia dos seus
olhos e com a orelha em pé ouviu a conversa:
- Por que foges do seu dono cheirosa
lágrima?
- Eu não fujo, só desescorreguei dos
olhos dele para tentar achar um caminho para entrar no lado de fora da
montanha.
- Venha comigo e traga seu dono. Vamos
seguir o perfume verde da esmeralda e encontraremos o espelho d’agua que nada
desconhece.
- E esse espelho existe mesmo?
- Claro, e ele desreflete o futuro,
mostrando o passado, e vai mostrar o caminho de volta!
- Nossa!
- Corra! Morcegos sugadores de luz nos
viram! Temos que encontrar logo o espelho!
Então, como uma cachoeira, foram
engolidos pelo espelho d’água, que desrefletindo a luz da esmeralda, lançou o
menino pelo tubo de cristal estrelado.
Destonteado, Gabriel desfechou os olhos, e sentiu o cheiro
da alegria do seu cachorrinho que tinha escapado pelo buraco da cerca para o
quintal do vizinho, seu amigo, que brincava com bolhas de sabão.
- Veja! - Disse o amigo.
- Onde? - Respondeu Gabriel.
- Ali naquela bolha que cheira jasmim!
Subia, subia, subia, a bolha, e dentro
dela, uma lágrima e um pingo d’água.
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