ENGANAR-SE
A SI MESMO...
Dinah Ribeiro de
Amorim
O povoado era pequeno, cerca de uns cinco mil
habitantes, no centro de Goiás, afastado da capital e dos seus progressos.
Vida simples, sem tecnologia, grandes
comunicações e locomoções.
Para achar um médico caminha-se de charrete ou
lombo de burro até a cidade mais próxima, onde tinha hospital. Para compras ou
necessidades maiores, também a mesma caminhada pois só possuíam o estritamente
necessário.
Claro que um barzinho com pequenos goles de
cachaça, existia em alguma esquina, onde os homens jogavam conversa fora e as
mulheres passavam botando olhares!
Alguns deles eram freqüentes, não tinham o
que fazer após um pequeno trabalho na lavoura ou fazenda de gado local. Enfim,
era o ponto da cidadezinha aonde se sabia de tudo!
Diariamente, ao final da tarde, baixavam
homens a conversar no bar.
Chico Tibúrcio, ajudante e cuidador de
cavalos, aparecia para trocar um dedo de prosa, saber alguma novidade, reclamar
da vida, desconfiar de tudo e não acreditar em nada. Mal abriam a boca para
falar alguma coisa e ele já respondia:
— Não acredito! Só
vendo com esses olhos que a terra há de comer.
Quando convidado para alguma churrascada na
fazenda ou festa da igreja, nunca
comparecia. Negava-se a se envolver com pessoas estranhas. Nada o animava.
Desconfiava de tudo. Só amava seus cavalos.
Zé Sardinha, também era quem aparecia para
prosear e tomar uns goles. Ruivo, pele avermelhada e cheia de sardas, daí o
apelido. Vivia com sua família nesse numa chácara
nesse povoado há muitos anos. Descendente, não sabia ao certo, de holandeses
que estiveram no Brasil na época da colonização. Muito engraçado, fazia piadas
e arreliava Chico Tibúrcio o tempo todo: “Um dia deixaria de ser tão amargo e
desconfiado”.
— Tem que aproveitá a vida home! O tempo passa
e você só trabaia e bebe. Nada mais.
Sinhô Moreno, um mulato forte, ativo, já mais
velho que os outros, bem sorridente, era o contadô de histórias, o novidadeiro
da cidade. De tudo sabia um pouco. Anotava e olhava o que acontecia. Alguns
gostavam muito quando ele aparecia pois, naquele lugar pequeno, onde nada acontecia, ninguém
falava e contava histórias como ele.
Chico Tibúrcio escutava atentamente, mas no final sempre dizia:
— É mentira! Só acredito vendo. Deixe de
histórias, Moreno, você gosta de um bla-bla-blá, e esses bobos de acreditá.
— Um dia você ainda muda, Chico, estou pagando
pra vê! - Respondia Sinhô.
O povoado não tinha nadinha de transporte, mas havia um projeto antigo, o qual Chico Tibúrcio não acreditava, de
construção de uma estrada de ferro, com trem, estação e tudo.
Sinhô Moreno apareceu uma tarde no boteco,
todo eufórico, entusiasmado mesmo, dizendo que haviam chegado uns homens
estranhos no hotel, vindos da capital. Disseram que eram engenheiros para
contratar gente para o trabalho na construção da estrada de ferro.
— Será? - Disseram
todos. O progresso chegando a nossa cidade! É o futuro minha gente!
Chico Tibúrcio foi o único que voltou-se para
a parede e não deu crédito a Moreno.
— Essa eu não acredito
mesmo! Nem vendo! Aonde arrumá pessoá bom? Entendido do serviço?
Aborrecido e pessimista, foi juntar-se aos
seus cavalos, os únicos amigos em quem confiava.
Com o tempo, o
pequeno povoado foi se transformando. Homens novos chegando, material de
construção e barulho por toda parte, gente animada, cantarolante, festeira,
gente briguenta, beberrona, encrenqueira.
Havia de tudo. Alguns habitantes comemorando
a chegada do trem e outros tristes, estavam desalojados, atrapalhando a
construção. Teriam que escolher novo sítio para morar!
Chico Tibúrcio mesmo assim não acreditava na
chegada de um trem àquele lugar. Compadecia-se ou sentia raiva dos conterrâneos
que ainda sofriam com isso.
Eis que a estrada fica pronta! É marcada a
inauguração do primeiro trem na estação, levando-os a várias cidades vizinhas e
chegando à capital do estado. Muitos são os convidados, Chico Tibúrcio entre
eles, avisando logo que não iria. Só acreditaria vendo. Felizmente, não mexeram
com o seu sítio nem com seus cavalos, mas o barulho já os incomodava. Andavam
agitados.
O barzinho fechou por falta de gente. Iam
todos agora ao bar da estação, verificar o trabalho feito e esperar o tal trem!
Sem os amigos que, apesar do mau gênio, o
agüentavam, o homem ficou mais negativo ainda, reclamando do falso progresso em
que todos acreditavam.
O trem esperado chega, pontualmente, às seis
horas, como prometeram.
Levou tempo e
trabalho esta estrada, mas valeu a pena! Gente nova, convidados, apareceram ,
dando apoio aos moradores. Agora sim, poderiam se locomover melhor! Era o
progresso chegando...
Chico Tibúrcio, enfurnado no seu sítio,
escutou-o chegar, apitando e soltando fumaça.
—Não é que veio mesmo,
Sinhô - pensou... Mas que barulho infernal! Seus cavalos queriam fugir,
assustados, e na primeira oportunidade, fugiram todos, pouco a pouco. Não
suportaram esse som pontual, indo e vindo.
O homem, de tão teimoso, não se mudou e falam
que , até hoje, corre atrás dos matos à
procura de seus cavalos, quando ouve o apito do trem chegar.
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