VIDA
NOVA
Hirtis Lazarin
Depois de um dia
exageradamente quente, caem lá fora os primeiros pingos de chuva. Um ventinho
gostoso balança a cortina de tecido fino, invade a sala e acaricia meu rosto.
Fecho os olhos e o livro que leio.
Uma sensação preguiçosa instala-se em
mim. Consome-se o tempo de um jeito prazeroso.
No silêncio aconchegante, ouço apenas
o tilintar da colherinha de prata que se movimenta dentro do copo de suco;
bocejo várias vezes e caio em sono profundo.
Acordo sobressaltada com o toque do
telefone. O bem-estar do momento é maior
que a vontade de falar com alguém.
Não é Gustavo, meu companheiro. Ele viajou pro Rio de Janeiro a serviço da
Empresa e já nos falamos diversas vezes naquele dia.
Ignoro os toques.
Olho pro relógio grande na parede e
os ponteiros marcam duas horas da manhã.
Não pode ser... Ponho os óculos... Enxerguei certo.
Arrependo-me de não ter atendido ao
chamado. A esta hora, alguém só ligaria
em casos emergenciais.
Não desgrudo os olhos do aparelho. Roo as
unhas torcendo pra ele tocar novamente.
Ele toca...Pego o telefone
estabanadamente. Titubeio... Estou com medo! Meu "alô" sai engasgado. Queria e não queria ouvir a voz de quem
estava do outro lado da linha.
Uma voz feminina, rouca e sensual
profere uma ladainha, um amontoado de palavras, pra mim desconexas. Só atento ao ouvir o nome de Gustavo.
Meu coração descompassa, a vista
some, sinto uma vertigem. Desmorono.
O tempo passa. Aos pouquinhos vou
retomando os sentidos, vejo-me estatelada no carpete, com o fio do telefone
enrolado no meu corpo e os óculos atirados longe, com lentes trincadas. O baque foi forte.
O turbilhão de palavras que ouvi roda
na minha cabeça qual vinil em rotação errada.
Vou me recompondo, as palavras
ouvidas vão adquirindo forma, organizam-se em frases conexas e a mensagem se
completa. Bombástica!
Ando pela casa feito barata tonta,
sento, balbucio ofensas, grito palavrões.
Abro uma garrafa de vinho, bebo a primeira taça de uma vez só, mais
outra e mais outra.
Ligo o computador; no "Google" encontro o telefone do
Copacabana Palace, no Rio. Ligo na
recepção e ouço a confirmação: "o casal Gustavo e Lucimara estão sim
hospedados neste hotel".
Viagem de negócios? E foram tantas durante aquele ano... Meu Deus, Gustavo sempre se mostrou tão
companheiro, carinhoso e apaixonado...Nunca percebi nada diferente.
Minha impulsividade fala alto. Tenho que tomar uma decisão agora. Não vou esperar sua volta daqui a sete dias.
Respiro fundo...Tomo o vinho que
resta na garrafa.
A decisão vem. Fico ansiosa e agitada... de felicidade. Faço minhas malas em segundos, com a mesma
euforia de uma adolescente que se desata das amarras dos pais enérgicos e
autoritários.
Faço apenas duas ligações e, pouco
tempo depois, já estava voando para Nova York.
Lá vive Roberto, o homem que me quer muito. E eu nunca tivera coragem de deixar Gustavo,
o marido bom, compreensivo e que muito me apoiou nos estudos e trabalho.
Na mesa da sala, debaixo do retrato
nosso rasgado ao meio, apenas um bilhetinho de "ADEUS".
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