A devota
Patricia Iasz
Após um dia inteiro de contratempos e já desgastada pela
doença instalada, ela passara em frente à catedral da praça. Com olhar mareado,
fixou-se na idéia de um resquício de salvação, afinal, a igreja levava o nome
de sua santa mais devota – Santa Madá de Ouvideira.
À medida que entrava, sentia que o silêncio a preenchia. Logo
a frente, bancos vazios em meio a penumbra, confirmavam a certeza desta
suspeita. No canto direito, próximo ao altar central, uma capelinha. Alí uma
santa, vestida de preto, parecia admirar-lhe
atentamente. Sim, lá estava a imagem de sua devoção.
Caminhou até ela e com gesto de respeito, inclinou-se sobre o
genuflexório. Pegou um terço e começou a balbuciar palavras repetitivas. Pouco
tempo depois, já irriquieta, deixou o rosário de lado e pos-se a falar
baixinho. Murmúrios insistentes começaram a incorporar tonalidade de
imploração. Mas que desgosto, parecia que a santa, tão inerte, não se importava
com tamanho esforço e dedicação. A presença do cansaço e dores pelo corpo nada
representavam para a peça de gesso imóvel bem diante de seus olhos.
Desiludida e inconformada, começou a desabafar rancores e
mágoas acumuladas a anos e a demonstrar toda sua frustração após todo tempo de
orações dedicadas sem respostas. Os olhos lacrimejaram. O nó na garganta
escorregou como choro, e soluços de tristezas ecoavam por todo espaço. Chorou
tanto que nem se deu conta das horas até que alguém cutucando em seus ombros,
comenta:
- Senhora, são quase meia
noite, as portas da igreja precisam ser fechadas. Amanhã, se for de sua
vontade, pode voltar às 5h.
Mais aliviada, esquecida das dores incômodas e com uma
sensação de liberdade na alma. Saiu com um renascente sorriso querendo
despontar em sua boca. Não sabe o porque, mas sentia-se feliz e amparada e, com
a alma mais disposta, foi-se para casa
afim de descansar.
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