QUE TERIA ACONTECIDO
ÀQUELA FAMÍLIA?
Dinah
Ribeiro de Amorim
Sento-me à janela e
vejo o dia passar! Desde que adoeci gravemente, tornei-me indolente e
dispersiva, não conseguindo me concentrar em leituras, pinturas, histórias da
vida real, às quais me dedicava tanto.
Ajudam-me na higiene e me colocam sentada à janela,
esperando que algum raio de sol me cure ou algo me distraia novamente.
Assim tenho passado meus dias, observando
transeuntes, chegadas e saídas de vizinhos alegres bem
vestidos ou não.
Realmente, fazem-me pensar sobre suas vidas,
o que fazem, quem são, voltando um pouco
à minha realidade antiga.
Começo a observar uma família um pouco
diferente, saindo todos os dias à mesma hora, mal vestida, cheirando a pobreza
através dos agasalhos rotos e sapatos feios.
Um homem, talvez o patriarca, vai à frente,
seguido por uma mulher e dois jovens, parecendo esposa e filhos. Procuram
alcançar seus passos enquanto uma senhora muito velha, lenta, caminha tentando alcançá-los e não
perdê-los de vista. O homem, às vezes, olha para trás, observando-os e
apressando-os. Talvez, penso eu, estejam atrasados para mais um dia de
trabalho. Começo a imaginar o que faziam, para onde iam todas as manhãs, com
preocupação de horário e passos rápidos. Se for algum emprego, deve ser bem
modesto, pois a aparência deles demonstra simplicidade e maus tratos.
Antes de sair de minha janela, ainda amparada
por muletas e uma tia solteirona, tal a minha fragilidade, observo-os voltarem
do mesmo jeito que saíram, em fila, com passos cansados e olhares sonolentos.
Entram por uma porta estreita, num sobrado antigo e feio, cheio de quartos,
semelhante a pensão, no final da rua, bem na esquina.
Acompanho os movimentos diários de várias pessoas,
mas, essa família em atitude repetitiva, apresentando características estranhas
e curiosas, saindo e chegando sempre à mesma hora, começa a despertar mais
atenção.
Sinto vontade de conhecê-los, aprofundar-me
em suas vidas, de onde seriam, o que faziam! Começam a aguçar a minha
curiosidade e a retomar meu instinto literário, ativando a imaginação.
Elaboro mentalmente mil histórias para eles:
Imigrantes, fugitivos de guerra, passado nebuloso, tentadores de sorte em
cidade grande, enfim, muitas idéias e trajetórias passam pela minha cabeça.
Ao pensar neles, esqueço-me um pouco do mal
que me acometeu, voltando-me a vontade de escrever.
Numa dessas manhãs, enquanto os observava,
percebo que o homem deixa cair um envelope aberto, amarelo. Nenhum deles se
abaixa para apanhá-lo. Talvez tivesse deixado cair propositalmente.
Quero mandar apanhá-lo, mas é levado pelo
vento da manhã, escorregando para a sarjeta molhada da rua e caindo num bueiro.
Espero-os voltar à noite e, nada. Não aparecem
mais. Não saem de manhã nem voltam à noite. Passo vários dias à janela
aguardando-os, mas não os vejo.
Pedi à minha tia que se informasse sobre eles
e, ela, estranhando o meu interesse, vai até a pensão perguntar. Talvez a minha
doença tivesse afetado também a minha mente, deve ter pensado!
Após muitas indagações, encontrou alguém que,
à custa de algumas moedas, contou que aquela família havia herdado uma fortuna
de um tio. Haviam ido para outra cidade,
onde o testamento seria lido com dia e hora marcados, sem muita delonga.
A carta viera registrada, num envelope
amarelo, com timbre e endereço do advogado. Isto sim que era sorte, comentou:
“sair desta espelunca para levarem vida de rico”!
Quando soube da verdade, senti-me atingida
novamente pela realidade da vida: fatos bons e ruins acontecendo, voltando-me
imediatamente o desejo de escrever, embora ainda estivesse doente!
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