Pingo
de água
Suzana da Cunha Lima
Estávamos presos num cano enferrujado. Aí algo
aconteceu, uma luz, eu me vi empurrado para fora. Flutuei no ar o máximo que pude, para que
aquele momento miraculoso durasse para sempre.
Senti os raios de sol me atravessarem, enquanto planava, único e belo,
refletindo todas as cores do arco-íris. Nasci, sou um pingo de água! Gritei
naqueles brevíssimos segundos, até me esparramar no fundo do tanque, junto aos
outros pingos que lá estavam. Percebemos uma força a nos puxar para um buraco,
sentimos o perigo. Mas antes que isso
acontecesse, taparam o ralo e uma enxurrada de água nos atingiu. Eu e os outros
pingos ficamos uma coisa só, mas conservei minha individualidade. Eu me vi
nadando junto a flocos cheirosos, sentindo dedos jeitosos a nos misturar e
fazer borbulhar. Hidromassagem, que
delícia... Tive uma sobrevida especial, constatei enquanto roupas eram jogadas
dentro do tanque. Agora é hora da massagem. Vigorosa, porém gostosa, porque
havia perfume no ar e o frescor da água nova sobre nós. De repente, tiraram a
tampa e lá fomos nós, assustados, sugados pelo ralo guloso, num tobogã gigante,
até um rio mal cheiroso, que corria lentamente. Mas aí eu não era mais um pingo de água,
límpido e belo. Morri e virei esgoto.
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