DESCULPE,
FOI ENGANO.
Patricia Iasz
Era manhã, lá estava ela no corriqueiro do dia. Acabara de
recolher a mesa do café da manhã e degustava uma doce tranquilidade matinal após
o dever cumprido. É que o marido já havia saído para o trabalho e as crianças
ido à aula.
Estava na ponta da escada, prestes a subir os degraus, quando
o telefone toca repentinamente. Estranhou o ruído sonoro por lhe causar um
súbito calafrio na barriga. Virou-se então apressadamente e foi buscar o
aparelho que descansava numa mesinha ao lado do sofá da sala.
Assim que balbuciara o primeiro alô, escutou uma voz nervosa
e afoita que dizia:
-Senhora! Senhora! Por
favor, Senhora!
Aquelas palavras lhe penetraram como espinho a alma e logo percebera que estrava com pernas trêmulas mãos suando frio, coração acelerado e
uma desconfortável sensação de nó na garganta que a dificultava em responder ao
chamado. Enquanto o silêncio emudecia os lábios, o ouvido atento parecia lhe esgarçar
a capacidade auditiva. Cada vez mais, aquela voz lhe rasgava o íntimo.
– Senhora! Senhora! Você
ainda está aí? Preciso comunicar algo que acabo de ver acontecer. A criança não
teve culpa, o carro é que invadiu a calçada. Eu vi quando ela, coitadinha, foi
lançada ao alto e o celular que segurava... Aff... Foi lançado longe.
Ao findar deste comunicado, deu-se por conta do poder que há
nas palavras! Elas acabaram de disparar as lembranças recentes do tão agradável
café matinal. A imagem das crianças sorrindo, se divertindo com as brincadeiras
do pai, começavam a martelar freneticamente
na memória. Em seguida, como fleches de luz, a dúvida vinha como avalanche no
pensamento. Quais dos 2 filhos deveriam ser? E nada da voz, ainda presa à
garganta, conseguir se expressar. Somente
o som vindo do outro lado da linha era incessante, o que aumentava ainda mais a
aflição do momento. O incógnito individuo continuava – Estou com o celular da
criança, vi que não estava quebrado e liguei para o primeiro numero que
apareceu no visor. Você a conhece? Responda-me, por favor!
Triste
instante! É que mal terminara o soar dos dizeres e a ligação interrompera.
Agora, somente a oculta presença do vago se instalara ao telefone. Quanta
angustia há nisso! Os olhos já ardendo, começaram a lacrimejar e, percebendo
que os pés fraquejavam prestes a deixá-la cair no chão, sentou no sofá. Queria
levantar, correr pela casa, pegar as chaves do carro, sair rápido para rua, mas
algo a impedia dos gestos. Só conseguia permanecer atônita com a recente novidade
que acabara de receber.
Minutos
depois, novamente o telefone toca. E
mesmo querendo evitar atendê-lo,
vestiu-se de coragem e conseguiu
sussurrar um tímido alô. A voz do outro lado da linha parecia ser outra e soava
de maneira mais suave e calma.
–
Por favor, Senhora. Gostaria de pedir mil desculpas. É que foi um engano. O
celular do qual liguei não pertencia à criança do acidente e sim a uma
coleguinha que estava dentro do colégio. A mãe da criança acidentada já está no
local e por incrível que pareça, a criança teve somente algumas escoriações,
além do grande susto e já está sendo atendida pela ambulância.
Ao
ouvir tal recado, a única resposta capaz de ser dita foi – Tudo bem! E desligou
o telefone.
Agora,
ainda sentada no sofá e aliviada por ter o corpo dado um enorme suspiro, lembrou-se
de ligar para o celular da filha a fim de conversar sobre o ocorrido. Porém, no fundo mesmo, nada
mais seria gratificante do que escutar uma voz conhecida que lhe diria:
- Oi mamãe!
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