BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Alucinações - Dinah Ribeiro Amorim



ALUCINAÇÕES!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Hoje em dia, tudo é chamado de arte. Qualquer escultura, desenho ou pintura, feitos pela mão do homem é exposta em museus, sem uma apreciação do que é belo ou do que o autor quis passar. Sem um trabalho prévio de avaliação. Muitas vezes, ele nem se preocupou em passar algo, só amedrontar ou afrontar.
  Foi diferente o que aconteceu com Gonzáles, quando visitou em Cuzco, uma exposição de arte primitiva e desobedeceu à ordem de não fotografar uma espécie de múmia ou deusa antiga, tipo feiticeira do lugar, chamada Khalengira. Seus olhos cintilantes, cabelos cor de fogo, corpo todo enfaixado como uma múmia, de pés descalços,exalava um perfume estranho e uma fumaça que lhe envolvia como uma nuvem. Ao lado, uma tabuleta contava sua triste história e recomendava que não a fotografasse pois poderia atrair grandes mudanças a quem com ela se envolvesse.
  Gonzáles, não acreditando em lendas, fez questão de fotografá-la e contar sua história quando voltasse para casa.
  Não imaginou que lhe sucederiam fatos estranhos, levando-o quase à loucura.
  Saiu do museu e viu-se num local diferente, pessoas vestidas à moda antiga, regional. Queria chegar ao hotel e não conseguia.
  Perambulou pelas ruas, tentou falar com estranhos, perguntar aonde estava.Ninguém lhe respondia.
  Tentou voltar ao museu histórico e também não o achou. O desespero tomou conta dele. Enfiou a mão no bolso e dinheiro, documentos,passaporte, haviam sumido. O celular não funcionava.
  Que lhe estaria  acontecendo?Só sentia um perfume estranho o acompanhando, o tempo todo.
  Andava cambaleante, às tontas, sem direção. Não sabia aonde ir.Resolveu simplesmente caminhar como todo mundo. Para onde? Quem sabe?
  Todos iam para um determinado lugar, um templo vermelho, no alto de uma colina, como sonâmbulos. Estaria no inferno? Teria sofrido uma espécie de morte, sem que percebesse?
  Seguindo, entrou no templo. Havia no altar uma deusa viva, meio mulher, meio bruxa, com olhos faiscantes e hipnotizadores. Seus cabelos emitiam raios como sol, o corpo envolvido num manto branco, soltava uma fumaça perfumada como gelo seco em festas modernas.
  A única diferença nela, semelhante às outras mulheres, eram os pés descalços e comuns, pisando numa espécie de globo terrestre, em miniatura, como se fosse dona do universo.
  As pessoas lhe rendiam graças e depositavam aos seus pés, dinheiro, comidas, documentos.
  Gonzáles observou bem o chão e reparou que lá estavam sua carteira, documentos, papéis do hotel.
  Como sairia dessa? Como voltar à realidade?Teria entrado como todos, num mundo antigo, imaginário, um tipo de alucinação?
  Sentiu que ela o olhava demoradamente, como a exigir alguma coisa. Que seria? Já estava tudo ali. Até sua verdadeira identidade estava perdendo, meio inconsciente e sem domínio.
  A mulher ou feiticeira o olhava, insistentemente, pedindo-lhe algo.
  Lembrou-se, de repente, que ainda portava à tiracolo, sua máquina fotográfica.
  Atirou-a logo ao chão, fazendo-a cair aos seus pés.
  Imediatamente, o cenário mudou. A deusa foi desaparecendo, dando uma gargalhada feroz, até que sumiu totalmente. As pessoas foram se retirando e, Gonzáles, pegou rapidamente suas coisas, abandonando aquele lugar.
  Viu-se de volta ao quarto do hotel, deitado na cama, com o torpor e o perfume que sentira, passando aos poucos.
  A cabeça lhe doía e, olhando o relógio, reparou que havia passado apenas uma hora. Parecia ter vivido uma outra vida. Entrado em outro mundo. Sentira passar um tempo enorme.
  Descansou um pouco, matutando no que lhe acontecera. Teria sido um pesadelo ou verdade o que vira? Alguma febre, indigestão ou medo? Sempre fora tão arrojado!
  Coisa estranhas acontecem quando saímos de casa e viajamos pelo mundo. Ainda bem que se lembrou de jogar a máquina. E essa, agora! Aonde teria ficado?
  Olhou na cadeira do quarto e a viu. Pensou, então, tudo não passou mesmo de um sonho, um momento de alucinação. Ligou-a e verificou as fotos do museu. Muitas estavam ali mas, a da tal Khalingira, não! Havia sido apagada.

                                      

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Mandacaru - Daisy Daghlian



O mandacaru - Daisy Daghlian

(trabalho criado baseado na obra de Graciliano Ramos - Vidas Secas)


Em meio ao sertão nordestino, quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam, numa peregrinação silenciosa. O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim, deita-se no chão, incapaz de prosseguir, o que irrita o pai, que lhe dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo levantar. Compadecido da situação do pequeno, o pai toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta.

À medida que vão se arrastando, o pai com muito esforço pensa no que estão fazendo. Tinham deixado para trás o pouco que possuíam e conheciam. O pequeno casebre quase em ruínas, a terra árida e improdutiva. O pouco gado, que agora era nenhum, havia morrido de fome e sede.

Devia haver algum lugar melhor que aquele. Fugiam da morte certa.

O medo do desconhecido, o atormenta o tempo inteiro. Ao mesmo tempo lembra-se de uma época, com um pouco mais de fartura, quando ainda dava para sobreviver com algum conforto. Mas os anos de estiagem chegaram. Tudo virou fumaça.

O gemido do filho em seu colo trouxe-o para a realidade. O menino com gestos pediu água.

A mãe, atenta, tirou da sacola, uma garrafa, olhou, ainda estava quase pela metade. Aproximou-se e sussurrou tome só um bocado, temos que poupar. O olhar triste do garoto mostrava a situação desesperadora. Obedeceu. A mulher deu um pouco de água para a criança menor e, colocando um pouco na mão deu para a cachorrinha que agradecida balançou o rabo.

Estavam exaustos, caminhavam há dias e, a paisagem não mudava. Terra seca, árvores secas, carcaças de animais espalhadas pelo caminho.

Mais um dia terminou. Resolveram dormir ali mesmo.

Juntaram um pouco de lenha. O pai acendeu uma fogueira para se protegerem dos animais que porventura existissem.

Pegou da sacola um pedaço de carne seca, cortou com o facão alguns pequenos pedaços e distribuiu para a família, pegou um pedaço para si mesmo e jogou um naco para a cadela.

Não tinham forças para conversar.

Adormeceram.

O dia chegou com aquele mesmo sol escaldante. Puseram-se a caminhar.

Quantos quilômetros andavam por dia, não tinham idéia. Quando chegariam a algum lugar habitado e onde tivessem uma condição melhor de vida, parecia um sonho distante que nunca iriam alcançar.

Passaram-se dias, semanas e até meses. Lá estavam eles, caminhando como espectros. Já faziam parte da paisagem. Sujos, esfarrapados e esqueléticos.

Naquela manhã acordaram sentindo que o dia seria diferente. O céu estava carregado de nuvens, um vento leve soprava.

A mãe mostrou desolada a sacola vazia. A farinha e a carne seca haviam acabado. Da água restavam alguns bocados. As crianças, não pediram nada.

Recomeçaram a caminhada, andando cada vez mais lentamente.

A chuva chegou de repente.

Os quatro como se agradecendo levantaram as mãos para o céu e sentiram aquela água fria jorrar pelo corpo abriram a boca e mataram aquela sede que durava meses, a mãe pegou as garrafas vazias e encheu todas. Pegou ainda um pedaço de sabão tirou a roupa dos filhos deu um banho neles ali mesmo. Sem pudores tomou banho também. Estendeu o sabão ao marido.

Pegou uma trouxa, que sempre carregava consigo e de lá tirou roupas quase limpas para todos. Sentindo-se quase humanos novamente se abraçaram.

A chuva parou. Recomeçaram a caminhar. As barrigas vazias gritavam de fome.

O mandacaru florido estava no meio do caminho, olharam embevecidos para aquela miragem. Se achegaram. Era verdadeiro. O pai pegou o facão, cortou alguns pedaços e eles saciaram a fome dolorosamente.

A esperança tomou conta deles. Iam conseguir. Tinham sobrevivido.