BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Festa no ceu - Hirtis Lazarin





Festa no ceu
Hirtis Lazarin


A tecnologia e toda sua parafernália invadiu o espaço celestial.  Computador, Ipad, Ipod, câmeras estão espalhados por toda parte.

 Os anjos responsáveis por uma pequena comunidade brasileira estão inquietos, apreensivos, com "as asinhas entre as pernas".  Acabam de receber e-mail curto e grosso do "Supremo Soberano".  Uma reunião de emergência fora marcada para o dia seguinte.

A pauta discutida fora:

1- a partir dos registros das câmeras espalhadas, verificou-se que a grande maioria de celebridades,  artistas famosos, e políticos das últimas gerações não se mostravam ambientados no "paraíso".   Apresentavam sintomas de prepotência, vaidade, insatisfação, depressão, confusão mental;
2- missão dos anjos: organizar uma festa de arromba para estes brasileiros, sem a preocupação com gastos de decoração e serviço de "buffet";
3- recomendações:  Todos deverão ser tratado da mesma forma.

 O combinado fora cumprido.

O salão esta deslumbrante.  Flores as mais exóticas enchem vasos de cristal.  Luzes de todos os tons se misturam num vai-e-vem alucinante, desenhando no espaço, ora uma cascata cristalina, descendo do alto do penhasco, serpenteando entre pedras do caminho até chegar espumante e vitoriosa no ribeiro que a acolhe e a leva pro além; ora as luzes se misturam fazendo aparecer um bando de borboletas beliscando flores que suspiram de prazer; ora tudo fica negro e surge  uma revoada de pirilampos como se fossem lanterninhas voadoras e saltitantes.

 Os convidados vão chegando, e uma orquestra os recebe ao som da quinta sinfonia de Beethoven.
 Todos acomodados, as portas se fecham.  Do alto uma voz rouca e dominadora: __  "O espetáculo vai começar".

 Assim que um anjo assume o microfone para comandar a festa, outro chega e cochicha ao seu ouvido.
 __Senhores e senhoras, temos um retardatário.

 Todos os olhares se voltam para a porta que range ao ser aberta.  Respiração descompassada, suor escorrendo pelo rosto, roupa desalinhada, entra Tim Maia.  Riso geral.  Desinibido como sempre foi, solta o vozeirão.  Canta à capela e arrasa.

 O anjo apresentador assume o posto e informa:

  __Teremos um momento importante.  Fechem os olhos e reflitam... Reflitam sobe a vida que viveram.  Será dada oportunidade àqueles que tiverem algo a comentar.

 A primeira a se manifestar foi Hebe Camargo, brilhando mais que sol em verão de 40 graus.  Levanta-se e caminha com dificuldade ante o peso das joias que ostenta; mais parece vitrine de exposição em joalheria.  Torce o pé e o salto que era um "Luis XV" quebra e fica entalado nas nuvens.   Mantém a pose e caminha mancando.

 A espontaneidade, sua marca registrada, evaporou.  Séria, sorriso amarelo, voz embargada, desata a falar:
                                         A menina simples que eu era
                                         Conquistou fama, prestígio, riqueza.
                                         Achava-me uma princesa
                                         Que nada!  Só quimeras.
          Faço hoje um desabafo
          Tanta jóis, dinheiro acumulado
          Pensei só em mim... Vaidade.
          E o que deixei plantado?
          Ouro, brilhante, esmeralda, rubi
          E um palácio no Morumbi.
                                                 Crianças abandonadas
                                                 Velhinhos indefesos
                                                  E o meu dinheiro?
                                                  "Ta" lá no banco aumentado.
              O tempo vai passar
              O meu nome vai apagar.
              Talvez na mente de algum velhinho 
               Serei lembrada: a mulher do selinho.

          Lá no fundão surge um coral nota mil.
                   Tom Jobim, Vinícius, Nara Leão,
                    Noel Rosa, Ataulfo, Cartola,
                    Adoniran, Elis e Gonzagão.
                              Pegamos nossa viola
                              Música fizemos com inspiração
                              O povo canta, aplaude, não esquece
                               Cumprimos nossa missão.

          O apresentador convoca o político Celso Pita a dar depoimento.  
          O negro vira vermelho
          Lacrimeja, gagueja
          E humilde, cai de joelho.
                             Eu era homem honesto
                             Tinha família feliz.
                              Levaram-me pra política
                              Nem acredito no que fiz.
                                             Apadrinhado por Maluf
                                              Raposa esperta, voraz
                                              Ensinou-me tantas gafes
                                              E a roubar como ninguém faz.  
                                                  Minha maior tristeza
                                                   É servir de gozação
                                                   Ter meu nome lembrado
                                                    Como sinônimo de ladrão. 

O anjo apaga as luzes e tudo fica branco.  Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, jogam pro alto potes de tinta; dedos ágeis como se pincéis fossem manipulam as cores e no ar nasce obra de arte.
          Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas gritam:
                             Ultrapassamos todos os limites
                             Do corpo, da alma desenfreada, colorida
                              Fomos tolos, inconsequentes
                             Pagamos caro.  Foi com a vida.

          Como não podia deixar de ser, o Sr. Jânio da Silva Quadros tinha o que falar:
                                             Assumi a presidência
                                             Renunciei.
                                             Fi-lo não porque qui-lo
                                             Não havia jeito
                                             Desanimei.
                                     Cortem-me a língua
                                     Ceguem-me os olhos
                                     Ainda assim escreverei.
                                     Trair a nação?  Jamais.
                                     O exército armado e forte decretou:
                                     Presidentes, nunca mais!
Se o discurso colou, nunca saberemos.

Lá na frente um pessoal esfuziante chama a atenção.  Os olhares se voltam e encontram Golias, Nair Belo, Mussum, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e a "Perereca da Vizinha" transforma a festa num grande carnaval.

Para o encerramento, aquela voz rouca e dominadora se fez ouvir outra vez:
 __Reflitam:
                               " O que é que fazia você feliz?
                                          O que é que você fez pra ser feliz?
                                             Frutos contaminados ou saudáveis?
                                É agora... Eu os colherei..."


                                    

Nenhum comentário: