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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Fugindo sa seca - Dinah Ribeiro Amorim


FUGINDO DA SECA!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Em pleno sertão nordestino, no polígono das secas, ainda algumas pessoas insistiam em viver. Plantar alguma coisa.
  Muitos já tinham ido, fugindo desse lugar em que nada mais brotava, nem água nos riachos havia.
  A seca já durava oito meses.
  Mulheres rezavam para chover, faziam peregrinações, cantorias e, nada, nenhuma nuvem naquele céu quente e vermelho, de solo rachado e endurecido.
  Os animais que ainda viviam, rumavam para outras regiões, procurando novas pastagens. Tinham ainda instinto de sobrevivência.
  Seu Honório, dono de terras, decide finalmente. Iria embora. Avisa a família, mulher e três filhos para arrumarem pequenas trouxas com poucos pertences. Seguiriam caminho logo cedo, em busca da capital, de serviço, de vida melhor do que aquela.
  O Senhor havia abandonado mesmo aquele lugar. Não havia mais jeito. A época das chuvas se fora para não mais voltar.
  Partiram de madrugada, com lágrimas nos olhos, deixando casa, terrenos, móveis, alguns utensílios de cozinha.
  A água escorrendo pelo rosto era o único líquido que ainda tinham.
  Caminham devagar, para quê a pressa se a jornada era longa e haveriam muitas paradas.
  Numa delas, encontram um homem velho, barbudo, de olhos negros e penetrantes. Conversa vai, conversa vem, o ancião, Herculano, pergunta-lhes para onde vão?
_ Sabemos ainda não, sinhô! Aonde tiver vida melhor que esta. Boa terra para plantá, comê, água para os homens e animais, plantação... Aqui, neste lado de Deus, não brota mais nada.
  Herculano pensa um pouco, parece falar com ele mesmo, orar talvez, compadecido da sorte de Honório e de tanta gente como ele, na mesma situação. De repente, fala:
_ Por que o amigo não planta abóboras?
_ Como, responde Honório, plantá abóboras neste terreno seco? O sinhô deve de estar louco!
_ Pois eu acho que deveria tentá de novo. O Senhor manda dizê pra plantá abóboras! Esta terra ainda vai dá alguma coisa.
  Outros retirantes se aproximam.Estavam curiosos com aquela prosa e no que iria dar.
  A mulher de Honório, Suzana, ainda crente que a sorte deles poderia mudar, convence-o a voltar. E plantar abóboras!
  Fariam uma última tentativa, teve fé nas palavras do velho, uma alma boa no meio daquela gente descrente.
  Honório voltou com a família e, ajudado pelos filhos, jogou na terra seca, sementes de abóbora.
  No fundo, era descrente mas, não custava nada fazer o gosto da mulher. Já tinham perdido tudo, mesmo.
  Os outros retirantes também voltaram e, plantaram, em suas terras, sementes de abóboras.
  Passado um tempo, olham o céu e, nada, nem sombra de chuva, nenhuma gota no sertão.
  A fome e a sede já começa a tomar conta deles. Que bobageira fora aquela? Seguir um velho desconhecido, com a cabeça já delirando devido ao calor e à idade. Que imprudência e ilusão a deles. Era a voz do coração que tinha mandado, não a voz da razão. Preparam-se novamente para partir.
  Quando olham, de manhãzinha, parece que uma nuvem, ao longe, está se aproximando.
  Seria a vista de Honório? O sol quente lhe cozinhara os miolos? Resolvem ficar mais um dia.
  De manhãzinha, novamente, aquela nuvem escura se aproximando. Todos a vêem.
  E assim, todos os dias, a nuvem escura se achegava, cada vez mais perto da plantação, até que parou em cima dela e, à noite, orvalhava a terra dura e seca.
  Ficou assim por três meses, até brotarem algumas folhas, regando, à noite, aquelas sementes de abóbora, com orvalho da madrugada.
  Depois, surgiram as flores! Lindas as flores da abóbora! Grandes, brancas, rasteiras, transformando a triste paisagem numa alegre primavera.
  Primavera no sertão árido, esquecido de Deus!
  Até que a nuvem resolveu fazer chover e molhar completamente a região.
  Muitos vieram para vê-la, não acreditando que fosse verdade.
  Pois foi,deu abóboras no sertão!
  Quando chegou a colheita, abóboras maduras, enormes, carnudas, fizeram a alegria geral, livrando-os da fome, da miséria, da  fuga daquele lugar.
  Houve festa grande! Venderam muito. Distribuíram para outros povoados aquelas abóboras deliciosas, suculentas, que nunca tinham visto igual.
  Procuraram o velho Herculano para agradecer. Ele já tinha ido. Sumira para outras paragens, levando sua fé com ele.
  Deixara saudade e a sabedoria que sempre resta uma esperança nessas regiões em que Deus parece ausente.
  A nuvem também se foi. Não voltou mais, deixando a terra úmida e o riacho cheio.
  Com o dinheiro da colheita, Honório e sua família passaram a viver melhor, conseguiram canalizar a água de grandes rios para seu riacho, não pensaram mais em mudar para a capital e abandonar as terras de origem.
  Pois é, deu abóboras no sertão! Muita gente não acredita:ah! estórias que o povo conta...

                                    
                                           

Um comentário:

Anna Blan disse...

Olá Dinah
Gostei do texto.
Adoraria estar nas aulas e poder também escrever sobre tal tema. Abraços saudosos
Anablan