BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Você me conhece? - Suzana da Cunha Lima



Você me conhece?
Suzana da Cunha Lima

 
Estava eu atravessando a rua com pressa, para ainda pegar o banco aberto. Eis que, quando consigo entrar lá, sou quase atropelada por uma senhora gordinha e sorridente que estava lá dentro e veio em minha direção me fazendo muita festa.

- Ah, quanto tempo a gente não se vê, heim? Acho que perdi seu telefone e queria tanto te encontrar...

- É mesmo? – respondi quase automaticamente, abraçando-a também, de olho no único caixa eletrônico vazio, sem me recordar absolutamente com quem eu estava falando. Mas como sou muito distraída, achei que acabaria me lembrando.

Ela se desprendeu de mim, alegre e me olhando de alto a baixo:

- O tempo não passa para você, não é? Está ótima, mulherona mesmo... Ficou parecida com Lady Gaga.- Deu uma risada e me propôs - .Escuta, não dá para a gente ir tomar um cafezinho aí no lado, no Franz Café? Tenho uma proposta para lhe fazer.

Olhei-a atentamente e nada me veio à cabeça. Ela me confundiu com alguém, coitada, mas resolvi responder com polidez.

- Hoje não é um bom dia, sabe? Tenho que pagar estas contas, e daqui vou correndo para o médico... Fui tirando os documentos da bolsa e me achegando ao caixa livre, enquanto dava um pouco de atenção à ela: - Proposta é? Acho que não vai me interessar. Estou aposentada e feliz da vida sem horários e patrão.

- Olhe, estou muito feliz por ter-lhe encontrado. Não é nada de trabalho, pelo menos não o convencional...Eu ia lá lhe propor algo careta? - ela riu e se encostou no caixa comigo, cortando totalmente minha rota de fuga..

Enquanto eu resolvia minhas contas e sacava algum dinheiro, ela parecia uma matraca no meu ouvido, falando sem parar.

- Eu me encontrei com a Baixinha outro dia, mas ela também não sabia onde você morava agora. Ela me disse que depois da separação você vendeu a casa e foi morar num flat. Ela não está nada bem, acredita que foi presa por porte? Vacilou, dá nisso... Era um tico de nada, mas não era mais primária, sabe como é... E o pior é que os filhos nem estão aí. Essa vida é madrasta mesmo – suspirou – E a Barbie, lembra dela? Sempre arrumadíssima, sempre se achando, mas totalmente brega, coitada, e agora....

- Por que coitada? Perguntei enquanto colocava os pagamentos na bolsa, tentando achar alguma saída para aquela saia justa.

- Você sabe, Julinha, a gente comentava muito sobre isso em nossos encontros. – falou ela quase impaciente - O marido resolveu sair do armário e se mandou com um rapazinho. Um vexame...

Suspirei aliviada. Bom, pelo menos eu sabia que não era a tal Julinha, nem daquela turma, mas resolvi levar aquilo adiante, por curiosidade. Daqui a pouco eu ia inventar um nome para ela.

- Eu não tenho visto ninguém de nossa turma, tem tempo. – desconversei tentando sair do Banco e pedindo a Deus que o convite para o Franz Café fosse esquecido.

- Da nossa gang, você quer dizer, não é? retrucou ela – Estamos mais velhas, mas continuamos as mesmas doidas de sempre. Questão de honra, já esqueceu? Fizemos juramento de sangue, até... Nada de caretice...Ou você já está dando para trás?

Agora a fala era mais ríspida, mas senti que ela estava me conduzindo para fora do Banco enquanto eu estava tentando furiosamente revolver meu arquivo de nomes no cérebro para descobrir quem era aquela senhora de cabelo pintado cor de beterraba e parecendo tão à vontade naqueles trajes esdrúxulos: bota alta, fuseau bem justinho, coletão. Uma figura...

Aí, algo acendeu em meu cérebro... Esta mulher quer é me assaltar e veio com esta conversa que me conhecia. Resolvi não sair do Banco e voltei para trás. Pelo menos tinha um segurança lá dentro.

- Receio que não possa mais conversar contigo, Sebá. (ri comigo mesma, pensando o que iria na cabeça dela ao ser chamada de Sebá – de Sebastiana) Lembrei que preciso pegar talão de cheque, tenho que voltar para a máquina e já estou atrasada para o médico. Até outro dia! – e deixei a porta se fechando na cara dela enquanto fui rapidamente para a máquina de cheques.

Olhei-a com o rabo dos olhos e vi-a desconcertada, na porta do Banco, sem poder entrar porque já tinha passado do horário.

– Acho que me safei desta , pensei aliviada enquanto a máquina funcionava e eu ia pegando os talões. Quando me virei para a porta, eu a vi atravessar a rua rapidamente, sem olhar para trás.

O segurança veio me perguntar: - aquela senhora lhe molestou?

- Não, respondi – acho que ela me confundiu com outra pessoa, ou então queria mesmo me assaltar. Uma conversa muito esquisita, sabe? .

- Ela é doida, não regula bem, mas não acredito que seja perigosa. – retrucou o segurança - . De vez em quando aparece por aqui. A gente fica de olho quando ela se aproxima de alguma pessoa, mas nunca vi fazer mal a ninguém. Deve ter alguma deficiência mental, quem sabe...Ou é apenas mais uma mulher solitária, sem família ou amigos que fica vagando por aí, tentando arranjar amizade.

Eu ri meio amarelo para ele enquanto guardava o talão e pensei.

- Você fica ai com suas teorias, meu chapa, porque, pelo sim pelo não, Sebá, eu estou caindo fora de sua gang – e saí do Banco rindo muito daquela situação inusitada e mais ainda do horrível apelido que eu tinha arranjado para ela. Vá que ela encarne que é a Sebastiana mesmo, pensei.

Nenhum comentário: