DESCONFIANÇA
Cida Bianchini
Mais um passo e pára. Esconde-se
atrás do tronco da arvore, para não ser visto. À frente, Ligia segue em passos
largos. De repente, entra numa relojoaria.
Não tem pressa, parece ser exigente na escolha da jóia. Abre o
guarda chuva ao ganhar a rua molhada e lamacenta. Segura com firmeza a bolsa
devidamente protegida ao peito e dirige-se à avenida
de grande movimento. O cuidado de Fernando agora é redobrado. Não pode
perde-la de vista. Tenta controlar a ansiedade, mas é fraco, coitado. A
desconfiança esmaga-lhe o coração. Pra quem seria aquela jóia ostentando
a grife no pacote? Segredos da alma. Abatido, entrega-se aos funerais do amor. O doentio ciúme leva-o a
loucura. Não aceita traição. Delira,
enlouquece, enquanto acompanha os passos da amada sem perde-la de vista.
Dói-lhe a alma ao vê-la entrar num
badalado restaurante. Acompanha atentamente seus gestos ao sentar-se à mesa e sofre
as demoras do tempo de espera. Escondido
atrás do pilar, mão direita no bolso, segura o revolver nervosamente pronto
para ser sacado a qualquer instante.
Quem será o infeliz, pensa
endoidecido a cada homem que se aproxima. A demora é grande. Enfim alguém se
dirige à mesa. Elegante, cabelos
grisalhos, bom gosto no vestir-se, tão bela quanto a filha. Abraçam-se
demoradamente. Beija o pacote que acaba
de ganhar: presente de aniversário, diz Ligia com voz terna.
Ufa! Respira aliviado o jovem
apaixonado, enquanto procura uma lixeira para jogar sem medo o revolver, juntamente com sua
imbecilidade. Volta pra casa despojado da dúvida que o fez sofrer tanto.
Está feliz. Vê beleza em tudo que o
cerca. Na chuva que cai sem parar, na incômoda rua apinhada de gente, no
cinzento céu que parece anoitecer o dia, enquanto sua alma celebra o amanhecer
ensolarado do amor.
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