BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ICONOCIASTA - Andréa Iasz



  ICONOCIASTA
Andréa Iasz


Parada em frente ao espelho de seu quarto fixa seu olhar em seus próprios olhos buscando ver a própria alma.  Está exausta, perturbada, precisa se rever e até se organizar. Aperta um botão mental “deletando” tudo e todos que estão ao seu redor: a música, as vozes, o tumulto. Desliga tudo. Ela sabe que existe, que se ama e se rejeita. Agora, neste momento, seu único desejo é ficar consigo mesma.

O nó na garganta é reflexo do choro que não sai, do ódio que sente não sabe de quem e nem porque. Um filme passa em sua mente. Nele ela vê a história de sua vida em família. Os encontros e festas, os desencontros e tormentos vividos pelas coisas que fora obrigada a passar sem desejar ter vivido e da forma como viveu.

Hoje seu ódio tinha chegado ao estremo. Todas as coisas relacionadas a fé cristã a incomodavam profundamente. Elas eram tão repugnantes que se via uma pessoa obcecada e determinada a acabar com tudo relacionado aos ícones religiosos. Se fosse corajosa e poderosa exterminaria também todos os cristãos da face da terra. Perdera a conta da quantidade de imagens, de terços e santinhos de papel já havia destruído e queimado. Sem contar da forma cruel com que tratou todas as pessoas identificadas como cristãos. Não suportava a ideia  nem mesmo a possibilidade, de usufruir da amizade de uma única pessoa sequer que se intitulasse como cristão.

De onde vem tamanho ódio? Da austeridade do pai? Da ausência da mãe ou da rotina religiosa e radical da avó que rezava o dia inteiro e que a obrigava ser sempre sua companhia na rezação. Perdera a conta de quantas vezes ajoelhada, rezou apenas por obrigação; de quantos pensamentos, desejos e intenções estavam distantes de todo aquele universo vivido em família.

Milenna era agora uma iconociasta que num ataque de fúria ateara fogo em uma iconoteca destruindo todas as obras que lá existiam. A coragem para tal fato veio da voz da colega Micaela, agora presa por ter matado o vigia, e que repetidas vezes insistiu: “Eles destruíram sua vida, sua identidade... Agora é hora da sua vingança”. Ainda diante do espelho e refém de seus pensamentos ouve, como um eco, a frase que incentivou tal fato.

Diante de si mesma, voltando à consciência, mira-se no espelho e de alto a baixo. Analisa sua imagem refletida. O presente agora era o seu passado as avessas. Negara a história de vida, suas frustrações e na ânsia de ser melhor e mais feliz transformou-se em outro alguém sem transformar seu interior. Vivia as mesmas raivas, os mesmos sentimentos de antes. Tornara-se um altar vivo. Em mente se vê com o prêmio de miss que ganhara no mês passado e percebe que como um cordão preso ao pescoço carregava a si mesma como um próprio ícone.

Uma mão amiga toca seu ombro com leveza, o calor da aproximação arrepia até os ossos. O bafo quente do sussurro ao pé do ouvido toca a alma espremendo toda dor que bruscamente sai como um vomitório pranto.  Nunca tinha ouvido tais palavras com tanto amor Coragem, o amor vencerá! Agora estas palavras latentes residiam em sua mente.

Ainda em frente ao espelho, em meio aos soluços, desfaz o penteado arrancando a longa e loira peruca. As lágrimas ajudam na retirada do par de lentes azuis e também facilita o deslize do creme demaquilante que a elas se mistura.


Cabisbaixa, observada pelas pessoas que estão no quarto, volta-se para a porta e segue em direção ao banheiro. Despe-se para um banho quente e demorado. É tudo o que precisa no momento. Completamente nua analisa a pele enrugada pelo tempo, com o sabonete nas mãos banha-se enquanto desnuda mentalmente todo disfarce interior. Agora se vê como jamais havia se visto antes e anuncia sua decisão gritando em alta voz: afeminado sim, mas acima de tudo José, o filho de Deus!

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito show de bola, parabéns lindo texto nossa viajei aqui muito bom.

Att: Zinho Santos Vértice do Céu.

Anônimo disse...

Acho que não ficou muito claro para mim sua posição com o texto, se é que vc está defendendo alguma posição.
O texto trata sobre um afeminado, que é revelado ao final, mas o que vc quer dizer com : "acima de tudo um filho de Deus?"
Que essa sua prática (de afeminado) deve ser aceita, afinal ele é um filho de Deus ou que, apesar dessa sua prática, ele ainda assim é um filho de Deus?
Vc pode me esclarecer?
Gostei muito da maneira como vc escreve. Parabéns! Só hj deu tempo de ler. Beijos. My.

Unknown disse...

Surpreendente! Eu não esperava por este desfecho. Parabéns pelo impacto que essa sua personagem causou.