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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

NOITE DE NATAL - UM TOQUE NA PORTA - Maria Luiza Malina



 



NOITE DE NATAL - UM TOQUE NA PORTA
Maria Luiza Malina


O bafo da respiração acelerada esbarrava com a neve no ar derretendo-a. Ainda faltavam alguns quarteirões para chegar até a casa. O acúmulo da neve no telhado quase o soterrava. Tudo estava completamente igual há 26 anos.

Na rua vazia e ao mesmo tempo cheia das lembranças, escutava o som de meus próprios passos se aproximando, acompanhando cada pulsar do meu coração. Percebia que havia mais alguém na rua, olhava para trás e nada via, imaginava ser o eco das botas cansadas da longa viagem. A entrada pela fronteira havia sido desgastante, muitas perguntas e a confirmação do endereço ao qual me dirigia. Questionava-me, na incerteza de que se algo grave lhes houvesse ocorrido, para qual endereço poderia recorrer. Afugentava os pensamentos relembrando que a cidade é pequena demais para que os soldados da fronteira não os conhecessem. Segui adiante.

Entre as casa, quase todas parecidas, lá estava eu, frente a frete àquela a quem tanto queria chegar e agora minha mão pairava no ar, sem coragem de tocar na porta. Ouvi conversas baixas, não havia a alegre música de bandolim. Nada, apenas conversas baixas. Confirmei o número 76 da Rua Sázava, da amarelada correspondência recebida parabenizando-me pelo dia do meu nome, do calendário onomástico. Todos os anos eles se lembravam de nós e nós deles. É agora, não tem campainha. Vou bater.

Toc...toc...toc...

Tudo se silenciou. Pela demora, percebi que estavam assustados. Bati novamente. Senti que alguém estava por detrás, com a orelha aguçada para saber quem poderia ser. Nada. Tornei a bater à porta. Alguém com voz trêmula, pergunta: 

- Quem é?

- Sou eu. Villy, do Brasil! O silêncio tornou-se gélido, usei meu apelido para que me reconhecessem de imediato, uma vez que o regime político era muito severo e, as batidas à porta durante a noite, não eram bons sinais.

- Quem?

- Blanka!  Sou eu Vilmund Vaumund do Brasil, disse com o som firme e melodiosamente feliz.  Sem medo de me indentificar.

A porta se escancarou num repente, que me fez arregalar os olhos, e os abraços familiares tão esquecidos eram quentes, tão quentes como o fogão à lenha que esquentava o jantar. A surpresa do amor familiar derreteu a emoção do gelado medo dos toques na porta. Voltamos juntos no tempo com um gole do forte aguardente de ameixa e já me senti em casa.

Blanka percebe ao fechar a porta, o espiar dos vizinhos atrás das cortinas, uma vez que ninguém recebe visitas. Acena. Ahoj!

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