A VERDADE NO OLHAR...
Dinah
Ribeiro de Amorim
Dr. André, renomado psiquiatra, grande número
de pacientes tratados com sucesso em seu curriculum, recebe, numa tarde, uma
visita estranha.
Uma jovem de rara beleza, gestos delicados,
bem trajada, pedia para vê-lo urgentemente. Aparentava ser uma moça bem sucedida
e, à medida que iam conversando percebeu também sua inteligência e cultura.
Intrigado, perguntava-se intimamente qual
seria o problema que a afligia, pois pela aparência, não conseguia detectar
nada. Depressão, alucinação ou qualquer outro tipo de desconforto. Pelo
contrário, as atitudes dela aparentavam excessivo controle.
Aos poucos, perguntando por que o procurara,
Cristina, foi revelando o que a preocupava.
Presenciara um crime, a morte de um amigo,
colega de trabalho, ao sair do escritório. Rapaz finíssimo, muito cortejado
pelas mulheres que invejavam sua namorada Nanci, a quem era extremamente fiel e
dedicado. Não sabia o que fazer. Vira Nanci sacar de uma arma e lhe dar dois
tiros rápidos, num corredor escuro, quando pensava não haver mais ninguém.
Queria saber sua opinião. Deveria denunciar o
caso à polícia ou aguardar os acontecimentos. Nanci era sua amiga íntima e, com
certeza, tivera motivo sério para tal atitude.
Dr. André, espantado com essa história
policial, achou melhor encarar o caso com calma, pedindo-lhe mais detalhes.
Cristina teria presenciado mesmo um crime ou imaginado a cena. Teria que
analisá-la melhor e aguardar os acontecimentos. Não gostaria de prejudicar a
moça e, caso a polícia não descobrisse logo a verdade, aí sim, ela contaria o
que vira.
A atitude de Cristina mudou e empalideceu.
Não saberia conviver com isso por muito tempo. O médico receitou-lhe um
ansiolítico e a mandou para casa. Verificaria o noticiário e discutiriam a
situação juntos. Queria ter mais conhecimento.
À noite, em casa, Dr. André escutou no
noticiário que um funcionário de uma empresa, havia sido baleado e levado ao
hospital. Corria risco de vida. A polícia investigava, mas não tinha nada de
concreto. Falavam em possível assalto, vingança ou outros assuntos.
No dia seguinte, Cristina voltou a
procurá-lo. Tinha ido trabalhar normalmente, como lhe recomendara. No
escritório, uma confusão. Policiais interditando áreas, fazendo perguntas, se o
rapaz possuía inimigos, enfim, algo que os levasse a alguma pista.
Nanci também fora trabalhar e, friamente,
respondia às perguntas de Dr. Mauro, o investigador do caso, quando soube que
ela o namorava. Não haviam tido nenhuma briga, não sabia muito dos seus
relacionamentos fora do escritório, não conhecia ninguém que pudesse lhe fazer
mal. Era simpático, extrovertido e, embora o relacionamento deles fosse
recente, estava começando a amá-lo e sentia-se correspondida.
Pediram-lhe que não saísse da cidade, mas não
encontraram nela nada suspeito.
Cristina olhava-a com espanto e raiva, mal
conseguindo controlar seus nervos.
Desabafou no consultório do Dr. André sua
revolta e vontade de esclarecer tudo.
O rapaz baleado, Fernando, não havia morrido,
mas seu estado era gravíssimo, em
coma. Não havia possibilidades de melhora nem de perguntas
sobre o ataque.
Dr. André começou a se preocupar com sua nova
paciente. À medida que as sessões aumentavam, Cristina ia revelando uma
personalidade agressiva, com ódio de Nanci, não mais aquela defesa e dúvida
inicial, com relação à amiga fiel.
A polícia não encontrara nenhuma pista e
aguardava a melhora do rapaz para saber algo.
Nanci o visitava frequentemente, querendo
saber se havia saído do coma.
Dr. André notou que Cristina também se
preocupava muito com o estado de Fernando, mas de uma forma estranha. Queria
agora realmente acusar a amiga.
Após um mês e meio de buscas, a polícia
encontra a arma do crime, jogada numa lixeira do prédio.
Completamente sem digitais, estava
identificável. Arma comum, sem nada que os levasse ao dono ou comprador.
Poderia ser de algum assaltante ou criminoso qualquer.
Cristina continua indo às sessões com Dr.
André, cada vez mais nervosa e lhe pedindo para aumentar a dose do calmante.
Nanci, feliz com uma sensível melhora de
Fernando, vê novas expectativas para o caso.
A polícia, comandada pelo investigador Mauro,
dirige-se ao hospital e percebe que o rapaz olha amorosamente para Nanci,
apresentando alegria ao vê-la. É descartada a possibilidade de ter sido Nanci
quem o baleara. Colocam um guarda de plantão e resolvem analisar as expressões
da vítima.
Cristina, nervosa com tudo isso, torna-se
realmente paciente de Dr. André que percebe nela um caso difícil. Arrepende-se
do conselho que lhe dera em ficar calada, pois piorara muito. Seu rancor pela
amiga a quem não traíra era agora surpreendente.
Tudo se esclarece quando Nanci convida
Cristina para irem juntas visitar Fernando. Sem ter como recusar diante da
felicidade da amiga e para não causar espanto nos colegas, ela vai até o
hospital.
Lá chegando, Fernando, ao vê-la, estremece e
a olha com medo, como se lhe fizesse mal. Nanci e o guarda de plantão chamam o
médico para vê-lo e ele consegue apontar um dedo acusador para Cristina, que
foge assustada.
A polícia é informada e Cristina chamada a
depor.
Acusa então Nanci. Vira quando ela sacou da
arma. Como saber a verdade! Até seu médico é chamado e revela simplesmente o
que sabia. Que era uma jovem que presenciara um crime e que estava cada vez
mais nervosa por não ter denunciado uma amiga. Não poderia dar mais detalhes
porque seria antiético e prezava muito a identidade de seus pacientes.
Investigada a vida de Cristina, descobre-se
que havia tido um caso com Fernando, meio às escondidas, que não o esquecera,
odiando-o quando a trocara por Nanci. Revelações de uma antiga empregada dela
ajudaram muito a chegarem a essas conclusões. Estava esclarecido o caso. Fora
ela quem atirara em Fernando, assumindo o papel de acusadora, presenciando um
crime que ela mesma cometera.
Usara Dr. André como álibi ou trocara
realmente de papel, pensa o médico, que nunca tivera um caso como esse.
Resolve continuar tratando de Cristina, mesmo
considerada culpada, após várias investigações da polícia: tentativa de
assassinato por ciúmes e traição.
Fernando melhora rapidamente e, junto a
Nanci, confirma que a atiradora fora Cristina.
Esta é presa e, graças a Dr. André e a um bom
advogado, sua pena é aliviada sob a condição de continuar em tratamento e
resolver seu problema de dupla personalidade ou de esperteza ao arquitetar esse
comportamento.
O médico sente pela frente uma difícil tarefa;
investigar sua mente e descobrir nova verdade que só Deus sabe!
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