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sábado, 13 de outubro de 2012

O DESCRENTE - Suzana da Cunha Lima




O DESCRENTE
Suzana da Cunha Lima


- Não acredito , não acredito em nada – vociferava meu tio, lendo os jornais com tanta indignação que parecia que ia ter um ataque ali mesmo.

- Não acredito em mais nada – repetia ele – já viram como vão votar o novo Código Florestal? Cheio de emendas sem sentido, desfiguraram a proposta! São uns pulhas, eta pessoalzinho sem caráter!

 O jornal estava todo desfolhado no colo dele, tal a fúria com que ele mexia nas folhas.

 - Realmente não consigo acreditar em mais nada! Isso é deprimente...Onde estava nosso Exército quando os Sem Terra invadiram aquela bela fazenda do tio Juca? Improdutiva uma ova! Era toda cultivada, uma beleza! E para quê? Eu já digo, é tudo mutreta da política local. Ninguém daquela corja sabe pegar uma foice ou enxada, nunca trabalharam a terra.  Mas aí esse bando de desocupados se  assenta lá, com todas as mordomias bancadas pela Prefeitura. Depois de um tempinho algum laranja arremata tudo em algum leilão fajuto, e pronto, fica com a terra. Esse é mais um golpe para enriquecerem depressa, pois todas estas terras são altamente valiosas. Vê se eles invadem terra sem água, sem benfeitorias, alguma coisa lá no agreste, coisa nenhuma.

O tio tomou um copo de água que a tia tinha colocado em sua frente. Ele bebeu devagar, tentando se acalmar. Depois arrumou as folhas de jornal e se deteve a ler a seção política. Quase teve um ataque.

- Não acredito, não acredito mesmo que o mensalão seja julgado e que alguém vá para a cadeia. Estão cooptando até o pessoal do Supremo, vê se pode? Tem gente boa lá, com certeza, mas o que podem fazer com estes bandidos de colarinho branco? É uma teia de sujeira. E o pior é que o sistema se autoproteje, e no máximo vai algum pé rapado para o xilindró. Suspirou enquanto lia o resto das notícias.

- Não acredito realmente em mais nada. É só abrir o jornal que as notícias ruins pululam como sapos em água fervente. Eu já disse, não voto mais em ninguém. O candidato pode  até ser bom antes de entrar, depois chafurda na lama do mesmo jeito. É um escândalo depois do outro. Jogou  o jornal no chão com raiva, estirou-se na cadeira, deu um suspiro grande, voltou-se para a cozinha:

 – Vê um cafezinho aí, minha velha. E com açúcar, açúcar, mulher, não acredito mais nestes nutricionistas. Minha diabetes já deu um salto mesmo, deixa para lá, se morrer, morro doce.

Virou para mim -  Cada mês, chega uma novidade sobre alimentação. Eu, definitivamente não acredito em mais nada. Um dia ovo faz mal, noutro dia faz bem. A gordura e a carne vermelha eram as grandes assassinas, hoje são os heróis, desde que sejam boas gorduras, carnes magras, sei lá mais o quê. No tempo de meu pai, usava-se banha de porco para cozinhar, açúcar para adoçar, manteiga para passar no pão. Hoje em dia é um monte de restrição, para mim, tudo golpe da indústria alimentícia e de medicamentos.  Por essas e outras, é que digo que não acredito em absolutamente nada, meus amigos. Só na morte mesmo, pois até hoje ninguém conseguiu enganá-la.  Quando chega a hora, o sujeito vai mesmo.

 Expliquei para o tio que estavam congelando cadáveres, esperando a medicina avançar e assim, poderem ressuscitar.  Muito rico estava fazendo isso.

- É outra coisa em que não acredito, não boto uma fé nisso, imagine! Acho que é só outra malandragem para tirarem dinheiro destes ricos idiotas.  E ressuscitar para quê?  Para tornar a viver estas aflições que a gente passa todo dia? Não sabe se vai ser assaltado, se os filhos chegam inteiro ou com vida em casa... Além dos assaltos na folha de pagamento.  Sou funcionário aposentado, minha filha. Pois não é que me descontam a contribuição previdenciária? Paguei quase 40 anos para poder me aposentar e mesmo assim não foi bastante.  O Governo morde minha aposentadoria todo mês.  Agora, veja só, ta aí, no jornal...  Para dar um mísero aumento aos professores, é uma luta sem fim, precisa greve, muita conversa, e enquanto isso, as crianças sem aula... Abaixou-se,  procurou nas folhas espalhadas no chão o caderno de economia e continuou sua lenga-lenga: porém para o pessoal do legislativo, veja que beleza... eles mesmo se aumentam..., ganham muito mais que o presidente da república, tem carro, gasolina, passagem de avião para as bases...um monte de mordomias e nunca ficam satisfeitos...

Olhe, eu lhe digo, na hora que  defunto abrir os olhos, não sei o que vou fazer, já que nem na morte vou acreditar mais... Esta história de congelar cadáver, quem sabe até isso pode acontecer, então aí é que eu  não acredito  em  mais nada mesmo..

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