MEDO
Suzana da Cunha Lima
Sentei-me trêmula.
Qualquer coisa escorria pelo meu rosto, mas eu não conseguia ver. Pensei
estar cega. Não, não pode ser. É apenas um sonho mau. Meu corpo era uma dor só,
mas tentava teimosamente entender. O que fazia eu ali, amarrada?
Lembrei..Andava na calçada, parei na esquina. Fui puxada
para dentro de um carro. Um grito. Um saco fedido na cabeça. Palavrões. Uma
pancada forte na minha cabeça. Acho que desmaiei depois disso. Devem ter-me
jogado em algum catre sujo.
Acordei com palavras ásperas, cortantes: Em pé, vamos, ande!
Como eu andei, não sei. Não sentia minhas pernas, acho que fui arrastada.
Também não conseguia enxergar nada, o danado do saco continuava lá.
Agora sentada, aguardava o que viria ainda. As mãos
amarradas, os braços formigando de câimbras. Só podem ter me confundido com
outra pessoa. Reze. Vão ver o engano logo.
Nem terminei a oração. Ouvi assustada o barulho de botas. O
coração disparou. Botas me apavoravam. Eu, menina, escondida embaixo da cama,
olhando botas arrastando as pernas de meu pai não sei para onde. Só sei que
nunca mais o vi.
Tiraram o saco de minha cabeça. Nem cheguei a levantar a
cabeça para ver a cara do homem de uniforme à minha frente. Olhar aquelas botas fez o medo tomar conta de
mim de uma maneira avassaladora. Não ouvia o que diziam. Não senti o que
faziam. O mundo ficou sem som, sem cor. Eu só conseguia ver botas, enormes,
aterradoras. .Fui totalmente sugada pelo medo. Era tanto que parecia que eu não
tinha mais corpo, nem mente. Nem dor, nem lembranças. Só medo, imenso, me
enrodilhando como cobra quando pega bezerro, até matá-lo de vez por asfixia.
- Quem é ela? Acho que vocês pegaram a mulher errada.
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