BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A IMPERATRIZ - Suzana da Cunha Lima




A IMPERATRIZ
Suzana da Cunha Lima

Eu estava desconfiada de meu marido há tempos: distante, de pouco falar e sorrir, mal me cumprimentava ao sair e voltar do serviço. Começara a chegar mais tarde do que o habitual e a trabalhar aos sábados.

Vinha quieto, colocava o pijama e pegava o jornal, como se eu não estivesse ali.   Às vezes eu perguntava qualquer coisa só para não ficar aquele silêncio:

- Algo de novo no trabalho? Seu Antonio não ia lhe dar um extra pelos sábados que você trabalhou?

- Vai me dar em folga.– respondia – e a conversa parava ali. E eu ficando cada vez mais irritada com aquela situação.

Muitas vezes ia se deitar quando eu ainda estava vendo a novela, deixando-me só na sala. Eu já estava a ponto de explodir, mas ele cumpria suas obrigações direitinho: as contas eram pagas, a despensa nunca estava vazia, mas deixara de me procurar a tempos, alegando doença, cansaço e outras besteiras que homem inventa quando não quer mais transar com a mulher. Um dia não me agüentei e reclamei feio.

- Mas o que há com você, Tomaz? Pensa que sou algum robô que cuida da casa? Sou invisível, por acaso? Nunca dá uma risada, nunca diz obrigado, nunca conta algo novo, nem me procura mais...

- Está te faltando alguma coisa, das Dores? Para de reclamar, mulher. Quero um pouco de paz quando chego em casa.

Eu resolvi não discutir. Fui me queixar com minha comadre, que morava no fim da rua e ela me aconselhou a ir numa cigana conhecida dela. Ela traz qualquer um de volta, conheço muita gente que foi lá e não se arrependeu. -  Mas não há de ser mulher não, comadre. Sr. Tomaz é quieto demais, vai ver está mal de saúde mesmo....Tome aqui o anúncio dela, bem bonito, não é.
Peguei o papel e olhei:

ESTE ESPAÇO É SEU
MAS SEU PROBLEMA É MEU

As letras eram vermelhas e pareciam sair de uma bola de cristal. Em volta, estrelas e raios dourados. Bacana mesmo.

O anuncio era bem criativo, me chamou a atenção e assim resolvi marcar hora.

Ela tinha horário para daí a dois dias e o consultório era perto do metrô, fácil de ir e vir.

Cheguei lá bem excitada com a novidade. Nunca tinha ido antes a ciganas, cartomantes ou coisas do tipo.

Casinha de vila, bem jeitosa, com um lindo jardinzinho à frente, A cigana me recebeu sorridente no portão e levou-me ao fundo do quintal, numa espécie de edícula. Fez-me entrar num cômodo grande, que estava à meia-luz. No meio da sala havia uma mesa redonda  e duas cadeiras.

Ela sentou-se, ligou um cd e uma musica lenta começou a tocar. Depois colocou as mãos num baralho, fechou os olhos, respirou pesadamente, e, mesmo sem olhar me perguntou:

- Maria das Dores é seu nome, não é?

- Sim senhora.  - respondi, já com vontade de chorar, me sentindo tão miserável com meus problemas.

- Fique à vontade, o espaço é seu, pode relaxar, apreciar a música que está tocando. Seu problema agora é meu. Vejo que a senhora está muito tensa e também pensando de que jeito eu posso lhe ajudar, não é?

- Verdade.

Ela abriu os olhos lentamente e reparei que tinha olhos bem bonitos, que pareciam sorrir para mim.  Eta carência danada, pensei.  Ela pegou o baralho do tarô, embaralhou, pediu para eu cortar e colocou as cartas em montinhos,

- Conhece o tarô?

- Já ouvi falar, mas nunca tinha visto nenhum.
- É muito antigo, sabe. Aqui eu uso como um guia, para captar a energia que está fluindo agora, neste momento, nos aspectos essenciais de sua vida.. Coloco as cartas nestes montes, que significam família, trabalho, sonho e amor. Lembre-se que não sou vidente, não vejo o futuro, apenas sinto esta força e mentalizo para onde ela pode levar. Não tenho poder algum que você mesma não tenha.

- Como é? Eu tenho algum poder? Então, o que faço aqui?

Ela sorriu:

-Todos nós temos poder, porque somos filhos do mesmo Deus que nos criou. Apenas não sabemos como fazer para descobrir estes poderes e usá-los para o bem. Tire uma carta aqui do monte que quiser, daquele que lhe perturba mais.

Não sei se foram aqueles olhos verdes que me hipnotizaram ou minha angústia que precisava sair do meu peito, mas enquanto tirava uma carta do monte do amor, despejei naquela mesa minha história, aos trancos, como alimento mal digerido.

- Meu marido já não me procura mais, está muito esquisito, penso que arranjou outra mulher por aí.

Ela levantou a carta que eu tinha entregue e comentou:- Interessante, é a figura da Imperatriz! – e foi ela mesma descobrindo as outras cartas que estavam nos montinhos e para cada uma delas ela fazia uma observação.  Nem me lembro mais quando tempo fiquei lá, só sei que, ao sair, quando quis pagar, ela me disse:

-  Só vai me pagar quando seu problema tiver sido resolvido.  Mas precisa fazer o que estou lhe orientando agora. Chegue em casa, prepare o prato preferido de seu marido, arrume a mesa, bem caprichada.  Esteja bonita e cheirosa quando ele chegar do trabalho, mas não dê a entender que o estava esperando assim, e sim que tinha saído daquela maneira. Ponha algumas caraminholas na cabeça dele -  disse rindo.

- Caraminholas? Perguntei abobada.

- Isso. Homem não pode ficar achando que já conquistou a mulher, sabe? Tem que manter ele preocupado. Ah, e morda a língua toda vez que quiser reclamar de alguma coisa, faça isso por uma semana pelo menos, é seu dever de casa.  

Saí dali totalmente zonza, sem saber o que pensar.  Mas fiz direitinho o que ela me mandou. Minha língua quase caiu de tanto que mordi e foi quando reparei como eu estava reclamona.  Quando chegava a hora dele chegar, me lembrava de tirar o vestido velho de casa e me fazer bonita, colocar um batom, um perfume. Nossa, pensei, eu andava feito uma faxineira dentro de casa, ultimamente; claro que ele nem me olhava direito, já fazia parte dos móveis e utensílios. E uma coisa puxava a outra: passei a usar umas camisolas bonitas, uma lingerie mais sensual.  Fiquei com gosto de cozinhar, abri o velho caderno de receitas e comecei a preparar uns pratos diferentes. E os resultados foram fantásticos.

Parece que pela primeira vez, depois de anos de casados, Tomaz reparou em mim como mulher e não como a governante de sua casa. Até aproveitamos os dias de folga que ele tinha para viajarmos juntos.

Quando fui pagar à cigana perguntei o que queria dizer a carta da Imperatriz, a primeira que ela tinha tirado do monte do amor.

-.Já reparou como a Imperatriz estava ricamente vestida, com flores na mão?  Ela não usa nenhuma adaga, faca ou punhal. As armas dela são outras e muito mais eficientes. No entanto tem força, tem coragem, tem o domínio total. Então, todas as mulheres são como a Imperatriz, carregam dentro de si o mesmo Poder. Mas só podem usá-lo através de uma arma única, que elas esquecem  no meio das panelas e aventais: A Sedução.


Nenhum comentário: