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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

CAMBYÇARA – Aquele que alimenta - Suzana da Cunha Lima


 
(imagem trazida do site: http://clebersa.com.br/causos-reais/cacamos-ou-fomos-cacados-parte-2/)


CAMBYÇARA – Aquele que alimenta
Suzana da Cunha Lima

A tribo Kalapalo situava-se perto do Rio Xingu e por essa razão, as ocas ficavam em cima de palafitas rústicas, devido às cheias do rio. Nesta ocasião, os homens da aldeia tinham saído há várias luas para caçar, pois já faltava  comida para as crianças e velhos que tinham ficado.  Cauã era o único filho homem de sua família e começou a ficar apreensivo.  Ele sentia-se responsável por eles. Assim, foi até o pajé Juruna e pediu autorização para levar a canoa ao rio, numa tentativa de trazer peixes para sua comunidade.  O pajé olhou pensativo para aquele curumim valente, de apenas dez anos, e deu sua autorização com o coração apertado. O rio era muito bom e piscoso, mas também caprichoso, com fortes correntes que levavam, às vezes, as embarcações para longe, ou para as corredeiras ou para igarapés distantes, onde facilmente, mesmo um pescador experiente, poderia se perder para sempre. Os poucos guerreiros que sabiam de suas manhas  estavam todos fora, tentando trazer comida para a tribo.

 Cauá pegou a linha de pesca e o saburá onde colocou as minhocas. Antes de embarcar, suplicou à mãe das águas que o guiasse para bons pesqueiros e o trouxesse de volta antes de Jaci, a lua, chegar aos céus, porque nunca havia entrado sozinho naquele rio.

Porém, mal entrou na água, sentiu ser puxado com força para o meio do rio. Ele mal conseguia se manter dentro da canoa, que parecia voar naquelas águas turbulentas. Já podia ouvir o rugir das perigosas corredeiras adiante. Parecia que Itupiara, o deus raivoso das águas, não o queria ali. Que destino sem glória para um futuro guerreiro Kalapalo!. Quando achou que tudo estava perdido, subitamente a canoa estacou, como se algo a fizesse parar e o menino viu à sua frente, a mãe das águas, Iara, lindamente vestida com folhas e flores que nascem à beira dos rios.  Ela fez parar a canoa, mesmo naquelas águas revoltas, com apenas uma mão. Com a outra, fez um sinal para o deus raivoso ir embora. Naquela hora as águas se acalmaram e ela disse para Cauã, ajoelhado na canoa e totalmente sem ação:

 - Você é bom menino, Cauã.  Seu pai, Ajaguanã, guerreiro forte, é meu protegido. Mas esta parte do rio é de Tapiraçá, que tem olhos de anta e ele não gosta que cheguem por estas bandas.  Volte, eu vou  empurrar esta canoa até chegar de onde saiu. Só retorne quando se tornar homem, grande guerreiro, como seu pai.

Cauã sentiu a canoa  se deslocar e voltar pelo mesmo caminho, como se uma mão invisível a conduzisse, com suavidade e ligeireza pelas águas já tranquilas.

Ele estava assustado, porém maravilhado pela presença de Iara e grato porque ela o salvara das corredeiras e de morrer afogado, mas muito triste e com vergonha porque não tinha conseguido pescar um único peixe. Sentia-se um imprestável.

Quando ele atracou, no mesmo lugar que saíra, sua família estava toda na margem, preocupados com ele e o acolheram com muitos abraços  alegres porque ele voltara vivo daquela aventura.

Porém, ao puxar a canoa para terra firme, notaram que ela estava repleta de peixes. Cauã ficou espantadíssimo.  Não sabia como explicar aquilo. Será que Iara percebera sua aflição e enchera de pesca sua canoa?  Estava atônito. Quando chegaram na tribo, ele foi ovacionado como um rei.  Aqueles peixes alimentaram a tribo até os caçadores chegarem.  E este foi um Dia de Festa. Dançaram e cantaram em volta da fogueira e naquele momento especial, o cacique Raoni, o grande Chefe, e Juruna, o pajé, lhe deram outro nome: CAMBYÇARA, aquele que alimenta.

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