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sábado, 1 de junho de 2013

O segredo da rapariga - Ana Maria Maruggi

O segredo da rapariga
Ana Maria Maruggi – março 2013

Disseram que se chamava Margarida, nome de flor e cheiro de flor. Assim diziam os homens. Mas, as mulheres diziam que era uma quenga sem vergonha, uma rapariga sem escrúpulos que ganhava dinheiro dos homens fracos.  Eu mesma não a conheci bem, só a vi uma vez, mas fiquei sabendo de muitas coisas intrigantes sobre essazinha ai.  A tal Margarida passava o dia debruçada na janela fazendo caras e bocas, chamando atenção dos homens enfadados pelo trabalho árduo, que rastejavam para suas casas no final do dia. Chegando ali deparavam com Margarida, cheirosa e fresca a espera-los com um sorriso devastador. De mansinho com sua voz sexy lhes desejava boa tarde, e fazia-lhes um leve e indiscreto sinal convidando-os para entrar em sua casa. De cara não entravam não, mas voltavam  outro dia, em outra hora menos comprometedora.

Estava eu de férias na cidade de Ituana, a cidade da talzinha, quando ouvi um zumzumzum pelas ruas e casas. Na delegacia, enquanto eu matava  saudade do escrivão, meu primo de sangue, quis saber do que se tratava aquele alvoroço que, cujo assunto era a tal mulherzinha sirigaita da janela. Pois não é que ela, ela mesma em carne e osso, foi ate a Delegacia, vestida num escandaloso baby-doll rosa shock, pedir para irem ligeiro até sua casa, pois que um amigo dela tinha passado mal, e estava lá estrebuchado no chão do quarto nuzinho como veio ao mundo? Foi um corre corre danado dentro do batalhão. Uns tentavam abafar o caso, outros queriam descobrir mais. Na verdade todo mundo queria saber quem era o sujeito que teve tanto azar de cair duro justo na casa do mal...ou do bem, sei lá. Quem seria a esposa traída, eita que esse seria um assunto para o mês inteiro. E o que teria feito bater as botas, o talzinho. Muita coisa a ser esclarecida, muitas mesmo. 

Foi um zas-tráz, e Regi me abandonou por lá com o porta retrato de Tia Severina na mão. Saiu na maior correria que mais parecia um atendimento à mãe parindo, agarrou pelo braço o medico Dr Felisberto, que vinha ter com ele sobre o acontecido,  e seguiram para a tal casa da janela indiscreta. À porta já havia uma multidão que só se movia às cotoveladas dos dois profissionais. Cochichavam, sussurravam e gritavam palavras de ordem. Já era uma manifestação pública. Mas não exigiam nada além de que se divulgasse o nome do diabo que morreu lá dentro. Dona Martinha a vizinha da coisinha, já estava a postos com sua câmera fotográfica, afinal não queria passar por fofoqueira ou mentirosa. À janela da casa da frente empilhavam-se mulher, marido e filhos para tentar enxergar dentro do quarto da mulherzinha, mesmo com a cortina cerrada. Fiquei sabendo que até a radio local, a única AM da região, já tinha montando um plantão à saída da casa. A repórter queria pegar o Regi (meu primo) para saber quem morrera naquele quarto nojento da Margaridinha.

A mulher traída não aparecia, não havia ninguém reclamando a falta do marido. Pelas cabeças mil nomes iam passando. Pensaram até no delegado Tavares, mas este estava de férias com a família,  em São Paulo. O farmacêutico foi cogitado, mas eis que de repente ele e a mulher Dona Helia, aparecem entre a multidão. Talvez o dono da padaria, o Joaquim, aquele chifrudo resolvera finalmente trair aquela vagabunda da mulher dele. Mas, não, alguém veio da padaria dizendo que o Joaquim queria saber quem era o morto.

Ninguém entrava mais na casa, e de lá ninguém saia, há horas. O farmacêutico bateu à porta para oferecer seus préstimos,  mas ninguém respondeu. Horas e horas depois, o povo começou a dissipar, aos poucos foram indo embora, um grupinho aqui, outra ali. Mas, o pessoal da radio fincou pé, e  Dona Martinha também arranjou um banquinho dizendo que de lá não sairia sem registrar os fatos. A casa da frente cobrou um valor fixo para quem quisesse ficar no plantão sentado em uma berger, mas a cortina da rapariga não se abria. Tudo lá estava quieto e lacrado.  Dona Martinha disse que sentia cheiro de café fresco vindo do bordel da Margarida. E depois cheiro de pão de queijo assando... Essa filha duma égua está cozinhando, e nós aqui fora esperando!  Até que chegou a noite, e uma garoa fria caiu molhando as ruas e telhados. A baixa temperatura foi afastando o povo e os levando de volta aos seus lares. A fotografia teria que esperar a dona da câmera jantar e se agasalhar. A rádio estava fora do horário para reportagem externa e teve que desmontar o cerco. Na casa da frente, o dono precisava dormir para pegar muito cedo no batente. Esvaziou-se a rua. Tornou-se um breu úmido a cidadezinha de Itauana.

Pela madrugada saíram de lá, sorrateiramente, pela porta dos fundos, Dr Felisberto e Regi. Tinham cara de dever cumprido. Ambos.

O medico foi para sua casa e disse à esposa que não estava morto não, era um desconhecido qualquer. Já tinha tomado todas as providências.

Regi foi para a delegacia fazer relatório, e nele escreveu que não havia defunto, apenas um coitado, desconhecido com batedeira no coração. Já estava atendido e fora de risco.

Na manhã seguinte o zumzumzum queria saber o que houve na casinha da tal rapariga desavergonhada. Eu mesma, curiosa que só vendo,  fui ter com meu primo que me confidenciou o que houve. Mas,  sob juramento, jurei de pé juntinho, não contar nada à ninguém. Minha boa é um túmulo!



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