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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O que faz um amor - Suzana Lima


O que faz um amor
Por: Suzana Lima

A mãe tinha ficado viúva ainda moça, com três filhas moças para criar.  Com o dinheiro do seguro de vida que o marido, em boa hora, tinha feito, conseguiu comprar uma casinha de vila, num bairro sossegado. E foi procurar emprego, porque o dinheiro da pensão não ia dar para cobrir as despesas. Chamou uma tia solteira para ficar com as meninas no tempo que ela estivesse fora, trabalhando. A falta do pai era enorme para elas, principalmente para a mais velha, já com seus quinze anos e que tinha uma relação muito forte com ele.

Tornou-se agressiva, inconformada e revoltada com tudo e com todos: lamentava a bela casa onde outrora moravam, o lindo bairro tão perto da praia, o colégio famoso onde tinha muitas amigas e o início da época das festinhas, tudo perdido! Achava tudo pobre, feio e sem graça onde agora teriam que viver.  Não estudava direito nem fazia questão de procurar novas amizades, embora seus colegas de classe fossem amistosos, sempre convidando-a para festas e programas diversos.  Suas duas irmãs, muito mais novas, superaram bem o luto, mas ela jogava nelas toda a frustração que sentia, e assim, acabou distanciando-se também delas e da mãe, que ainda ouvia malcriação quando chegava cansada do trabalho.

Depois de um ano, a situação ficou insustentável. A mãe fez-lhe ver que, se não estudasse, ia colocá-la para trabalhar no emprego que aparecesse. Não tinha dinheiro para jogar fora. Então a tia propôs levá-la para sua própria casa, para ver se o tempo conseguiria apagar tanta raiva e ela entendesse que, sem estudo, jamais conseguiria alcançar o nível de vida que tanto desejava.

A mãe concordou, deu um prazo de dois anos, para ela voltar já com um pé na Faculdade e resolveu internar as duas menores, para poder trabalhar em paz.

A tia morava num bairro próximo, mas como tinha posses e adorava esta sobrinha, resolveu matriculá-la numa escola um pouco melhor.  No entanto, ela percebeu logo que, apesar do amor da tia, ela tinha lá suas manias, era exigente e fazia questão de obediência. Então, ela começou a se sentir muito só, com saudade da mãe e das irmãs e numa casa que, afinal,  não era sua. Foi assim que compreendeu que, se não se estudasse com afinco para se preparar para a Universidade e não tentasse conviver com seus colegas, acabaria ficando cada vez mais sozinha e destinada a um tipo de vida que odiava; tendo que voltar para casa e indo trabalhar em alguma ocupação medíocre qualquer, totalmente oposta aos seus sonhos de grandeza.

Um ano se passou. A segunda Guerra tinha, afinal, terminado e a escola resolveu fazer uma grande homenagem aos pracinhas que tinham voltado da Itália. Nesta ocasião, uma colega lhe apresentou o tio, rapaz ainda novo, que lutara na FEB.
Ela, que até então não se interessara por nenhum rapaz, sempre comparando com a figura do pai, cada vez mais idealizada, se encantou com ele. Tinha trinta anos, era um homem feito, experiente, formado e com um bom emprego! E bonito também, ela achava. E ele também ficou cativado pela moça ruiva de tranças longas, meio orgulhosa e discreta que pouco falava de sua vida. Mas ela tinha 16 anos e ele 30. Era uma diferença enorme de idade. Ele tentou pedir permissão à tia para namorarem, mas ela foi do contra. – “É uma menina ainda, vai fazer 17 anos e está se preparando para o vestibular.- Vê se te enxergas, rapaz”.

Assim, aquele caso de amor tinha tudo para dar errado. Mas nem quando ela soube que ele morava no bairro modesto de sua mãe, que ela tanto tinha odiado, que tinha freqüentado a mesma escola e se formado após muita luta, arrefeceu o que sentia por ele. Na verdade, abriu-lhe os olhos para muitas fantasias que ainda tinha e fez com que o amasse ainda mais.

Com ele, ela aprendeu a dar valor a muitas coisas que antes desprezava.  O trabalho honesto da mãe, tentando educá-las dentro dos mesmos princípios com que fora educada. A solidariedade das pessoas simples que moravam naquele bairro, que se ajudavam no que podiam. A luta de todos por uma vida melhor, traduzida no trabalho e na escola noturna.

Até o lazer pareceu-lhe mais saboroso: as conversas à noite, no alpendre das casas, regada a bolo e café.  Os bailinhos no clube local, onde todos os rapazes e moças do bairro se reuniam, pois sempre tinham vivido ali, eram amigos de infância, companheiros de muita brincadeira infantil, tudo começou a encantá-la.

Ele, por sua vez, não ia desistir dela, a despeito da diferença de idade. Nem queria se encontrar escondido.  Acabou convencendo-a a voltar para casa, porque ele queria conversar com a mãe dela.

Foi um dia memorável. A mãe quase não acreditou quando a filha pediu-lhe para retornar e lhe apresentar o homem que amava. 

Noite de choro e promessas. A mãe não se importou com a diferença de idade.- “O que vale é o caráter, minha filha. Mas o namoro é aqui em casa e você continue estudando para entrar na Faculdade. Não deve depender de homem algum na vida. Tenha sua carreira e vá trabalhar naquilo para o qual se preparou. Só consinto nestas condições.”

Ele tornou-se um grande admirador da futura sogra. E cumpriu tudo direitinho. No ano que ela entrou, afinal, numa Universidade pública, por seus próprios méritos, marcaram a data de casamento. 18 anos em flor! Só tiveram o primeiro filho quando ela terminou o curso e arranjou um emprego. E nunca a diferença de idade pesou. Pelo contrário, agregou qualidade e valor à vida dos dois.  E aquele amor foi-se transformando e aumentando de tal maneira que, quando ele faleceu, vinte anos depois, ela nunca mais quis saber de casar. “Nunca vou arranjar alguém igual a ele, que teve paciência comigo, mocinha presunçosa e me ensinou, como ninguém mais fará, o que é um verdadeiro amor.” Com estrela



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