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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tesão versus amor - Suzana Lima




Tesão versus amor

No meu tempo de mocinha não havia baladas, apenas os bailinhos de sábado em casas de família, ao som do velho vinil, movido a vitrola, sabem lá o que é isso? Ou então nos clubes, em comemorações especiais, como Festa de quinze anos, formatura, aniversário etc., animado por grandes bandas.
E o que pintava mais era bolero, mais tarde fox-trot e outras dançinhas mais animadas. E pasmem, as moças iam todas de VESTIDO e a maioria dos rapazes de terno, ou no mínimo, com umblaser!
Eu sempre amei dançar e rapaz bacana para mim, era aquele que sabia dirigir bem uma dama pelo salão, fazer uns voleios e uma coreografia diferenciada.  Ficava de “par constante” com ele, se fosse possível, mas depois da festa, tchau! Não queria mais nada! Estava cansada dos meninos bobinhos, de minha idade ou de minha classe, quase imberbes, que nem sabiam direito o que queriam.
Conheci Flávio num destes bailinhos e não sei por que razão me encantei com ele. Ele dançava bem, mas nada de excepcional, e era um rapaz comum, nem feio nem bonito, mas estava de cabeça raspada porque tinha entrado na Faculdade de Medicina! Isso, para os meus 16 anos, era o máximo! De qualquer forma, não sei se era o jeito de ele apertar os olhos quando sorria, ou quando me abraçava forte na dança; ficava até me mordiscando a orelha e dizendo besteirinha, de rosto colado! Sentia sensações inusitadas e totalmente inéditas. Bastava ele me olhar, pegar minhas mãos ou sorrir, que coração começava a bater descompassado, eu ficava ruborizada, sentia frio e calor, parecia que meu corpo estava pronto sabe-se lá para quê.  Ah, eu não sabia que isso se chama “tesão” ou “química” e até hoje se desconhece como  chega e como vai embora.
 Nos encontramos em mais uns dois ou três bailinhos e cada vez mais a gente sentia uma urgência misteriosa (para mim, pelo menos), e muitas vezes, ele me levava para a varanda das casas, meio retirado, onde me dava uns amassos bem gostosos, mas eu não o deixei ir além disso.  Fez tudo para eu ir para o carro dele (ele tinha um Oldsmobile) para a gente “ficar mais à vontade”, o que não fiz, porque sentia que, assim,  não teria mais controle nenhum.  “Virgindade”, naquele tempo, era um grande valor, e eu era uma “moça de família”!
Até que um dia  eu recebi um buquê de rosas amarelas, com um cartão: De seu admirador X. Fiquei empolgadíssima e mais ainda quando ele me telefonou naquele dia mesmo, me convidando para um cinema.   Eu morava no final do Leblon e tinha uma linha de bonde que ia de lá até o Bar Vinte, um largo redondo, onde começava Ipanema.  O cinema chamava-se Astória e ficava pertinho do Bar Vinte e estava levando um filme que não esqueço o nome O Caminho dos Elefantes, porque do enredo, até hoje nem sei do que se trata... Encontrei-me com ele lá, meio temerosa, era a primeira vez que eu marcava encontro com um rapaz .
Ele me recebeu sorridente, muito alinhado, o cabelo já tinha começado a crescer, estava bem bonitão, um verdadeiro homem, pensei.... e eu, com 16 anos é que estava com ele ali, e não uma daquelas moças mais velhas e presunçosas da minha turma.
         O Astória era um cinema grande, majestoso. Poltronas estofadas, confortáveis e largas, ar refrigerado que amenizava muito o calorão lá fora, lustres bonitos que mantinham uma iluminação à meia-luz , até o filme ser passado. Tudo ali convidava a romance e também a um namoro mais atrevidinho. Eu sabia o que muitas amigas acabavam fazendo no escurinho do cinema com seus parceiros, mas eu tinha uma visão romântica da primeira entrega e queria que a minha primeira vez fosse algo realmente memorável, com o homem que eu amasse e abençoada pelo casamento.
Bom, entramos, ele escolheu um lugarzinho no fundo e nem bem as luzes se apagaram, já me abraçou, despenteou meus cabelos, e começou a me beijar aos pouquinhos, como se estivesse avaliando a minha reação aos seus avanços.  Confesso que fui cedendo espaço, flutuando num mundo de magia e deslumbramento, e a música do filme acompanhava minhas sensações, até que ele me beijou fundo na boca. Foi como um choque, jamais havia sido beijada daquele jeito. Tremi toda até que eu senti vagamente as mãos dele fazendo um reconhecimento no meu corpo.  Quando me desprendi daquele longo beijo, reparei na minha blusa desabotoada, a mão dele dentro do meu sutiã, meus mamilos duros esperando o que não viria, porque dei-lhe um basta ali mesmo. Não era assim que queria, eu queria isso, mas queria amor também.
Ele agüentou firme minha bronca, depois me falou suavemente:
- Olhe Clarinha, você é uma menina linda e merece o melhor amor do mundo, que eu não posso lhe dar agora. Mas tem um amigo meu que está de olho em você há um tempinho, está gamadão, sabe? Você não recebeu um buquê de rosas hoje de manhã? Foi ele que te mandou.  Não dei seu telefone porque você não me autorizou.  É um rapaz bacana, de família, capaz de você conhecer, destas festinhas que temos ido. O Geraldo, mais ou menos de tua idade. Valia a pena uma aproximação maior entre vocês. - Eu fiquei totalmente estarrecida, o Geraldo? E ele? O que ele sentia por mim, afinal?
- Sinto o maior carinho por você, Clarinha. Você é realmente adorável, porém tenho muitos planos na minha vida. Medicina é um curso longo, ainda tenho que fazer dois anos de residência, um estágio em minha especialização, para depois arranjar emprego. Enfim, muitos anos de luta pela frente, até eu me estabelecer e constituir família. Não tenho o direito de ficar te empatando...
Foi tamanho desapontamento que abotoei minha blusa às pressas, fazendo força para não chorar, peguei minha bolsa e saí calada. Eu vi que nem adiantava dizer que eu esperaria todo o tempo do mundo por ele, eu estava apaixonada, puxa... Mesmo com o coração sangrando e bobinha como eu era, vi que ele, como qualquer homem, tinha apenas tentado ver até onde eu cederia.   Mas percebeu logo que eu era apenas uma menina tola, com os hormônios à solta, confundindo tesão com amor e sonhando com casamento de véu e grinalda, enquanto esta realidade estava muito distante para ele. E resolveu deixar para outro, mais tarde, o encargo de me mostrar o que era uma coisa e a outra.
Mas eu tive o privilégio de conhecer juntos: tesão com amor.  Fato que hoje, me parece, está fora de moda, o amor, principalmente.

Cine Astória


Depois do cinema, o predio passou a ocupado pela Tv Excelsior.

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