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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Cronica: O Travesseiro de Macela - Dinah Ribeiro Amorim




O TRAVESSEIRO DE MACELA – CRÔNICA.
 Dinah Ribeiro de Amorim

 Acabei de ler o livro de Contos “O Amigo Imaginário” de Suzana Cunha Lima. Gostei de todos, ela escreve e descreve muito bem e, o que mais me tocou foram suas palavras em “O Sonho”, quando diz que as mães, quando envelhecem, continuam com o mesmo colo e o mesmo abraço e sempre com a mesma vontade de protegê-los de toda dor, medo e tristeza desse mundo.

Talvez porque eu sinta o mesmo, esteja também nesse momento: mais velha, mais só, mais preocupada com filhos e netos, com o futuro, com o mundo atual.

Lembrei-me logo de uma crônica que escrevi quando minha filha se foi, para estudar no interior. O filho já havia ido morar com o pai, na adolescência. O apartamento ficou vazio. Embora lecionasse fora, senti sua falta e a movimentação de jovens, em casa, quando ela estava presente. Voltei a escrever e surgiu: “O Travesseiro de Macela”, publicado em Antologia de Santos e usado como dramatização em aula da F.A.A.P. (1992).

“Cinco horas, seis horas e nada...Rolo na cama, levanto, espio no quarto, vazio total. Que será agora, meu Deus?

Mais tarde, você chega e diz calma:
  _Bom Dia!

 Pelo meu jeito, percebe logo que não é um bom dia e tem vontade de voltar.

_Precisa se acostumar mãe, não consigo pensar como filha. Nosso relacionamento mudou de mulher para mulher. Se não durmo aqui, durmo fora com ele.

 Tento entender uma situação nova e sinto não estar preparada.

 Ela simplesmente deixava concreta uma idéia definida, sem controvérsias.
  _ Agora, penso em você como amiga.Alguém para conversar.

 _ Filha, nem um aviso? Um telefonema? Simplesmente não vem? E eu, como fico? Não pensa em mim?

 _ Já fiz vinte e um anos. Não sou mais criança. Sei o que faço.
  De repente, um imprevisto!

 Tentativas de vestibular. Lista de Odonto, em Araras, em Santos,...
 Começa a correria. Prefere Araras, onde o pai é Diretor. Aluga casa, não dá certo. Aluga então apartamento com dois primos.

 Entra em cena uma “amiga” do pai, numa tentativa de ficar mais perto.

Roupas brancas compradas às pressas. São meias bonitinhas, blusinhas de seda branca, até lingerie nova. Enxoval completo!
  Só sei que pouco participo.

 Retiro um avental da gaveta com um certo orgulho. Fora do pai e depois meu, para dar aulas. Não serviria! Não fora pedido pela Escola e, o pior, era feio.
  Ainda tento ajudar.

 Levaria todo o seu quarto, seus cartazes, louças, lembranças de viagens, livros, móveis, enfim, tudo o que acumulara na adolescência.
  Teria sua casa afinal!

 Coloco em caixotes, embalo com jornais, guardo para mim uma foto luminosa, tirada por uma amiga fotógrafa.

 Mudança às pressas, destino novo.

 Ansiosa por começá-lo, dá um abraço rápido e, quando fraquejo, diz logo:

 _Nada de emoção, mãe.Domingo estarei aqui ou você irá me ver.

  Desce rápido o elevador ajudada pelo irmão que pergunta, intrigado, por que fico triste se é o melhor para ela?

  Penso nisso, dou razão. Sinto o começo de um fim.

 Adeus à minha filha pequena, nervosa, que me queria e necessitava. Não consigo sentir saudade dela moça, independente e adulta.

 Olho o quarto nu e, o que vejo? Jogado no chão, um amigo inseparável, remédio para insônia, que sempre carregou consigo: seu travesseiro de macela.

 Corro ao terraço, grito em voz alta: Ângela!

  _O que é agora, mãe?

  _Seu travesseiro de macelinha.

  Sorri e entra no carro.

  Penso comigo “as coisas mudaram de fato”. Etapa nova para ela e para mim também!
  


2 comentários:

suzi disse...

Dinah

Muito comovente sua crônica, de mexer na alma da gente. Mas você tem sua vida, seu talento, sua simpatia e muitas amigas. É neste núcleo que sua vida deve se movimentar, não no núcleo de sua filha.Sei que sabe disso. Foi só um toque...
Senti-me honrada em ver uma frase singela minha ser incluída em seu belo texto.
Abraço grande, Suzana

Dinah disse...

Agradeço o comentário e as sugestões.Realmente, foi um fase e encontrei muitas coisas boas na vida, como derivativo. Você, amiga, é uma delas!E todos do Ical, é claro.