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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Renascendo - Daisy Daghlian




Renascendo
Daisy Daghlian

Era junho. A noite fria e estrelada, com uma lua cheia resplandecente iluminando o atelier.
  Ao redor, algumas telas inacabadas espalhados pelo piso de tábuas largas, palhetas, tubos de tinta, pincéis de vários tamanhos estavam sobre uma mesa de vidro que ficava num canto do aposento. Uma vela apagada.
 No cavalete uma tela recém iniciada, mostrava o esboço de um ser ainda não identificado. Quem observasse, poderia classificá-lo, talvez, como um fauno, um extraterrestre ou um ser humano deformado.
Maria, a pintora, envelhecida prematuramente, jazia embriagada no sofá, todo manchado de tintas. Cabelos grisalhos e desgrenhados, roupas velhas e remendadas, parecia ter desistido da vida.
Na rua, vozes de trabalhadores que retornavam para casa no fim do dia.  Ouvia-se ainda uma melodia ao longe. As janelas amplas estavam abertas.
Conforme a noite foi avançando, uma leve bruma foi tomando conta do atelier.
 Pela janela passou zumbindo uma vassoura que parecia vazia  rodopiou pelo local procurando um espaço para pousar.
Parou, subitamente, em frente à Maria, a figura de uma bruxa foi-se materializando como num quebra-cabeça, era muito velha.  Toda vestida de negro, no chapéu uma petulante pluma vermelha. Observou a mulher, penalizada. Que desperdício, pensou.
A pintora acordou como se tivesse levado um choque.
 Sóbria, recuou assustada ao ver aquela figura assustadora.
 A bruxa aproximou-se mais e mais, com sua vassoura parecia estar benzendo a mulher, esta murmurava uma prece ha muito esquecida, coisas da infância.
Em estado de graça, Maria levantou-se, pegou a palheta com as tintas, escolheu o pincel, retomou a pintura que estava no cavalete. Horas depois, terminou o quadro.
Seu auto-retrato estava na tela. Remoçada, com um sorriso radiante. Era em muitos anos, o único que tinha terminado.
Olhou agradecida para sua bem-feitora.
Amanheceu.
Na rua um forte alarido a assustou.  Bombas eram jogadas. Foi ver.
Uma greve geral tinha sido deflagrada. Policiais e grevistas se enfrentavam.
Maria pensou: A minha greve acabou.

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