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terça-feira, 25 de março de 2014

Rosto Pintado - Patricia Iasz


Rosto pintado
Patricia iasz

Não contive as lágrimas quando ví aquele rosto pintado pela primeira vez. Delineado e colorido, muito me despertou a atenção. Nele, via um sorriso largo, generoso, mas no fundo me trouxe angustia e lágrimas. Tão disforme e estranho, expressando uma euforia invasiva e, até, desrespeitosa para tão recém-encontro.

Circulou-me varias vezes com um fitar penetrante. Estranha sensação de desconforto. Como rir com aquilo que mais transmitia temor? Havia alguma inverdade naquelas pinturas. Somente eu sentia dificuldade em desvendá-la. Olhando ao redor, dei por conta que muitos eram os que se sentiam à vontade com esta presente face. Sorriam e se divertiam em cooperação com suas expressões. Tudo bem à vontade. No entando, continuava eu no triste aperto no peito, um soluço preso à garganta e enorme desejo de sair correndo. Mas não  poderia. Tantas regras diziam que seria desrespeitoso dar costas ao que gentilmente queria alegrar. Regras de sociedade.

Foram alguns longos minutos em sua presença. Como demorava, ao meu ver, a careta em cores viváz. Um terror. Ao sair do espetáculo circense, descobri uma memória ativa. Aquele Palhaço Saltitante passou a pertencer aos meus sonhos. Não porque desejara, mas porque sua presença medonha marcou-me profundamente.


Com o passar dos anos, compreendi que Palhaços existem, saíram dos sonhos. Mas a maturidade me definiu como um ser capaz de escolher não levá-lo para casa. Deixei-o livre nos circos. Lá, aprendi que sorrisos podem ser devolvidos com respeito e diversão. E que no retorno ao reduto particular de cada pessoa, uma consciência concreta de que palhaços não residirão além dos sonhos. Ficarão lá em seus picadeiros alegrando a outros enquanto a memória particular se reorganiza com outras experiências de vida. 



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