BLOG NOVO: CONTOS DO ICAL


sábado, 27 de março de 2010

QUARTO ENCONTO DIA 25 DE MARÇO - DIALETO E DIÁLOGO

Quarto encontro da OFICINA MULTIPLICADORA – 25 DE MARÇO DE 2010





FIZEMOS A LEITURA DOS TEXTOS DOS PARTICIPANTES, QUE SE SAIRAM MUITO BEM! 
OS TEXTOS SERÃO POSTADOS À MEDIDA QUE ME CHAGAREM POR E-MAIL.


Trabalhando a variação de dialetos e os diálogos nos textos fizemos a leitura e reflexão do texto abaixo:



 
O PADRE, O ESTUDANTE E O CABOCLO
Uma história de esperteza


Há muitos anos, o acaso uniu, na rabeira de uma tropa de mulas que percorria o interior de Minas Gerais, um padre, um estudante e, a transportar as malas e os livros dos dois, um caboclo observador. No lento trotar das mulas, sob o sol do sertão, padre e estudante debatiam sem chegar a qualquer conclusão.
No fim da tarde, estacionaram ao lado de um casebre e pediram licença à mulher que os atendeu para pernoitar ali, oferecendo poucas moedas em troca de água, lugar para pendurar as redes e algum alimento. A pobre mulher concordou, enfiou as moedas rapidamente no bolso da saia e, um minuto depois, trazia aos hóspedes uma jarra de água e o único alimento existente no casebre: um miserável pedaço de queijo, que não dava para alimentar um quarto de homem.
Sem saber como dividir o queijo entre os três, o padre, certo de que, com sua oratória, poderia enganar os outros dois, propôs o seguinte: que dormissem e, ao amanhecer, aquele que contasse o sonho mais bonito, certamente inspirado por Deus, ganharia o direito de comer o queijo. Todos concordaram e, cobertos pela poeira da estrada, foram dormir.
No meio da noite, contudo, ouvindo o padre e o estudante roncarem, o caboclo levantou da rede, aproximou-se do armarinho em que a mulher guardara o queijo e o engoliu.
Quando amanheceu, enquanto tomavam o café ralo que a mulher lhes ofereceu, o padre, que sonhara a noite toda com o queijo, foi o primeiro a relatar seu sonho. Disse que, auxiliado por anjos, subira por uma escada cheia de enfeites dourados até o céu. O estudante, por sua vez, contou que, mal havia dormido, já se encontrou em pleno Paraíso, aguardando pelo padre que, tinha certeza, chegaria em poucos minutos.
Era a vez do caboclo falar. Com os olhos presos ao chão, numa voz mansa, ele disse: “Sonhei que via o senhor padre e o moço lá no céu, rodeados dos anjos e dos santos. E que eu tinha ficado aqui, sozinho e morto de fome. Então, subi no telhado e gritei com toda força pra vosmecês: ‘E o queijo?! Não vão comer o queijo pra mó da gente seguir viagem?!’. E vosmecês responderam, felizes da vida: ‘Pode comê o queijo, caboclo! É todo seu! Aqui no céu não precisamos de queijo!’. Fiquei tão feliz, e tudo pareceu tão de verdade, que levantei da rede e comi o queijo...”.




FIZEMOS TAMBÉM A LEITURA DO TEXTO "CONVERSA FIADA" onde  todo o texto acontece em dois parágrafos, e ambos representam o monólogo de personagem:


CONVERSA FIADA
Ana Maria Maruggi




Obrigada pelos elogios. Mas não precisa tecer elogios só para conseguir ouvir de mim as coisas que eu sei. Eu vou contar de qualquer maneira e você sabe disso.

Vi sim o filho de Dona Dora, o Florival, aquele que brigou com o Marinho na festa do Zé Venâncio. Fiquei sabendo que o Marinho ofendeu o coitado com umas bobageiras de moço virgem, coisa à toa. Mas o Florival não gostou nadica da conversa desaforada do Marinho e exigiu um pedido de desculpa. Imagine se o Marinho é homem de pedir desculpa para alguém? A coisa foi tomando vulto e rolaram feito porcos na lama perto do laranjal. Você lembra disso? Você estava lá com sua senhora, que Deus a tenha! Era soco e pontapé que não acabava mais. Até o Zé Venâncio, homem bom que Deus pôs na terra, teve que apartar a brigaiada dos dois. Então, ontem o Flô passou na frente da minha porta, mas não falei com ele não. Tive um pouco de medo de bagunça, de confusão. Estava um calor de agoniar, até a cadelinha Marica estava aflita, então fomos sentar na varanda esperando que a brisa refrescasse um bocadinho com o entrar da noite. Luz apagada pra afugentar a muriçoca e diminuir o calor. Mas, qual nada, a noite chegou e o calor se instalou. Parecia um forno! O Julio cochilou um tiquinho na cadeira dele, e eu estava lendo uns causos do Boldrin embaixo da luminária de mesa, quando assuntei uma figura esquisita, mal vestida, passar bem devagar como quem vai pra banda da bica do Chico. Ele estava estranho, com umas roupas grandes que não pareciam ser deles. Tinha um chapéu preto na cabeça, e a barba estava grande. Parecia um mendigo, o pobre. Ele até deu uma paradinha, de costas, pra minha casa. Pensei em chamar pra saber o que estava acontecendo, mas hesitei e acabei não falando com ele. Levantei devagarzinho da minha cadeirinha e caminhei até o portão da rua, e ele nem me viu. Vi que ele andava mancando um pouquinho da perna esquerda será que foi naquela briga do ano passado? Mas ele parecia confuso, dava a impressão de que ele não sabia onde estava. Tive até medo do infeliz. É, depois que a Dona Dora morreu, no começo desse ano, de uma morte muito esquisita que até agora não ficou esclarecida, o rapaz andou fechado em casa e quase não fala com ninguém. Dona Dora tinha um bom dinheiro que ficou do falecido Luiz, e o rapaz herdou tudinho com a morte da mãe. É por causa dessa dinheirama que as coisas não ficaram bem esclarecidas. Até a escola o Flô abandonou. Estranho, você não acha? Não vi pra onde ele foi ontem à noite, mas escutei uns zuns zuns lá pra banda da bica e parecia ser a voz dele, mas não tenho certeza. Por causa do calor a gente fica um pouco zoada, né? Sabe que eu até puxei minha cadeirinha pra bem perto do portão para eu ver se ele voltava, e ele voltou lá pelas tantas da madrugada. Não sei dizer com exatidão a hora que era, mas era bem tarde. O Julio já tinha se recolhido, com calor e tudo. Mas eu estava lá, firme e forte com os causos caipiras fechados bem apertados embaixo do braço que aquilo lá não era hora pra ler, ou lia ou assuntava a rua. O Flô voltou sem chapéu. Lembra que eu disse que estava com chapéu preto? Pois então quando ele voltou já estava sem chapéu. A roupa bamba que estava usando parecia que tinha molhado. Fiquei imaginando se ele não tinha entrado na lagoinha da bica pra se refrescar. Ele estava segurando alguma coisa na mão, e não era o chapéu. Parecia uma caixa bem pequena. Lembrava uma caixa de leite longa vida pelo tamanho. Mas estava escuro do outro lado da rua. Cansei de pedir pro Bastião da Prefeitura clarear aquela banda da rua, mas aqui na nossa cidade as coisas demoram demais pra acontecer. É, ele passou do outro lado da rua. Vez ou outra um clarão vindo de alguma casa da vizinhança, alumiava o rosto dele. Ele parecia mais estranho do que quando foi. Parecia abatido, cansado, sei lá. Não descuidei dele mas descuidei do livro do Boldrin e deixei cair. O baque fez ele parar e procurar de onde veio o barulho, me encolhi atrás da amoreira que eu mesma plantei quando era menina ainda, e ele não me viu. Só que aí ele apertou o passo, quase correu na direção da casa dele. Pensei em seguir o infeliz pelo menos pra ter certeza de que ele ia pra casa, mas o meu Julio apareceu lá e ficou brabo comigo: “Vem dormir mulher! Ta pensando que você vai ganhar alguma coisa com investigação da vida alheia?” Resolvi ir cama pra não brigar com ele. Mas dormir, eu não dormi nadinha. Levantei com as galinhas. Além do calor infernal que estava naquela cama, eu tinha essa história na minha cabeça que não me deixava sossegada. Aí você ligou e pediu pra eu vir aqui. Mas, você está me perguntando se eu vi alguma coisa estranha ontem pra mor de quê?





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