Milagres acontecem
Suzana Lima
André era um típico sedutor: voz macia, sorriso envolvente, sempre bem vestido e sempre sabia o que dizer na hora certa. Conforme a mulher que desejasse seduzir podia ser do tipo protetor ou meio machão ou ainda sensível e delicado, quase carente. Outras vezes, extrovertido, bem humorado e conhecedor das coisas. Um verdadeiro camaleão.
Já deixara muitos corações estraçalhados para trás, porque, como todo grande sedutor estava mais interessado na conquista e não na posse.
Não que não lhe dessem conselhos e avisos, porque até tinha bons amigos e uma mãe severa, que não concordava com suas atitudes predadoras.
Mas era entrar por um ouvido e sair pelo outro, embora não fosse mau caráter e na verdade, não fazia falsas promessas, nem tencionava enganar moças desavisadas.
“Elas acreditam no que querem acreditar – dizia – não prometi nada, apenas que teríamos bons momentos juntos e foi o que realmente tivemos...”
Porém, como diz o ditado, um dia “ o feitiço se volta contra o feiticeiro”.
Foi quando ele conheceu Maria Rita, uma parente longe de sua mãe, quase prima, que tinha vindo visitar uns tios na capital. Era moça do interior, criada com todo o rigor por pais conservadores e o máximo que já tinha visto da vida, era apenas sua cidadezinha natal, que não chegava a 100 mil habitantes.
Boa estudante, tinha-se formado no Curso Normal, o único existente em sua terra e era uma devoradora de livros. Muito bonita e vivaz, chamava a atenção onde quer que passasse. Sabia a reação que causava, com seus belos cabelos negros, os olhos muito azuis e um porte de rainha. E ela tinha ambições, que não revelara ainda para seus pais, porque no pretexto de visitar os tios e tirar umas férias, queria investigar que tipo de Faculdade poderia cursar. Era consciente que em sua terra não havia nenhuma grande perspectiva profissional ou pessoal. Ainda mais, o que se esperava lá de uma moça é que se casasse com um bom rapaz do lugar, tivesse seus filhos e cuidasse de sua casa, nada mais. Isto nem lhe passava pela cabeça, embora esta fosse a expectativa geral em relação ao papel da mulher, da sociedade de então, lá pelos anos 50.
Pode-se imaginar o que aconteceu quando eles se encontraram. André achou que ela ia cair direitinho em sua lábia, ainda mais porque ela estava hospedada na mesma rua onde ele morava com sua mãe e duas irmãs. E, embora primos distantes, eram parentes e parentes, já se sabe, tem o acesso facilitado para qualquer programa que surja e para qualquer cafezinho de boas vindas.
Mas o grande sedutor reparou logo que o caminho não ia ser nada fácil.
Embora calorosa e alegre, Maria Rita não se deixou envolver pelo elegante galanteador.
Ou foram os avisos dos tios ou de sua própria mãe e irmãs, ou foi fruto da observação dela mesma, o resultado é que Maria Rita proseava com Artur, mas não lhe dava maiores aberturas para nenhum avanço amoroso, apesar de todos os bombons, flores e bilhetes galantes que lhe mandava e de todos os seus olhares e suspiros. Nada estava dando certo e, pior, ele, agora, não se interessava mais por nenhuma outra mulher.
E aconteceu o que ele sempre quis evitar. Acabou se apaixonando perdidamente pela linda priminha, que tanto sucesso estava fazendo no meio de seus amigos e até com um admirador a tiracolo, mas que não lhe concedia nada mais do que amizade.
Até que, revoltado com aquela situação, resolveu encostá-la na parede. Foi à casa dos tios, no final da tarde, quando sabia que a encontraria. Ela estava lendo um livro, balançando-se na rede.
- Oi, Ritinha, queria conversar contigo, só nos dois.
- Pois assente-se e fique à vontade, primo. Tia Clara está passando um café e acabou de assar um bolo de fubá.
- Não vim para o lanche, Ritinha. Eu só queria saber porque você se faz de desentendida quando falo de amor ou namoro, não comenta meus presentes e está aceitando a corte de Raul. O que ele tem que eu não tenho?
Maria Rita sentou-se e olhou-o firme:
- Modéstia, primo. Ele não se julga nenhum príncipe e respeita meus sonhos e projetos, sabe ouvir e é um rapaz muito culto.
- E eu não?
- André, acho que você não sabe nada de mim, nunca me escutou verdadeiramente, só queria era me abraçar e beijar, além de outras coisinhas, como se eu fosse um mocinha tola do interior, que deveria cair aos pés do rapaz bonitão da cidade grande. Você poderia me dizer, por exemplo, o que eu quero na vida?
André ficou meio atordoado, confuso e respondeu o que lhe veio na cabeça:
- Ora, casar e ter filhos, como toda mulher quer. E um marido que a ame e respeite.
- Só isso?
- Mas isso já é muita coisa, Maria Rita.
- Não para mim, André. Quero me formar e ter uma profissão. Quero trabalhar e ter meu próprio sustento. Depois disso, vou pensar em casamento e filhos. Portanto, nada que você esteja querendo agora. Pelo visto, você gosta mesmo é de namorar, seduzir a mulherada, não é? Tudo bem, mas para mim não serve não. André olhou-a estupefato. - Uma profissão, trabalho? E qual seria? Você já não é professora? A escola do bairro está precisando até de uma.
- Eu sou professora porque não tinha outro curso lá na minha terra, André.
Mas quero mesmo é ser médica. – ela falava isso calmamente, olhando-o com aqueles olhos azuis de endoidecer qualquer um – depois sorriu, encostando levemente sua mão na dele. – Ora, esquece isso e vamos lá dentro comer aquele bolo que já estou com água na boca de sentir o cheiro.
Ele ficou lá, estatelado, olhando-a sair da rede num leve balançar de quadris e entrar na casa.
Mas não entrou, foi-se embora. Chegou em casa e arrumou uma valise com algumas roupas dizendo para a mãe.
- Vou passar uns quinze dias fora, mãe. Não me pergunte a razão.
Só voltou dez anos depois. Não conseguiu esquecer Maria Rita, a despeito de ter procurado seus olhos azuis em toda mulher que encontrou e seduziu. Um dia cansou-se da vida vazia e sem objetivos que estava levando. Formou-se e trabalhou alguns anos em ONGs cuidando da saúde de populações ribeirinhas.
Fez muitos projetos e se tornou conhecido naquele meio, até que resolveu voltar. Estava com saudades da família e cansado de estar só. Quase não reconheceu seu bairro. Novas avenidas e edifícios, muitos carros, ônibus e movimento. Mas sua rua ainda era a mesma, reparou aliviado.
A mãe já velhinha, recebeu-o feliz. – Veio de vez, meu filho? Perguntou, esperançado.
- Acho que sim, mãe – respondeu ele abraçando-a.
Esta história não termina aqui. Uns meses depois ele foi levado para um hospital, após um acidente de carro. E quem o atendeu? Maria Rita, dez anos mais velha e ainda mais bonita.
Ela não o reconheceu imediatamente. Ele estava com barba, já meio grisalho e com aquele ar resignado dos homens quando sofrem e se entregam à sua sorte, buscando alívio no trabalho ou se dedicando a obras sociais. Mas ele sentiu instantaneamente a presença de sua Maria Rita naquela linda mulher de jaleco branco que o olhava preocupada.
- Ah, já acordou? Que bom... Foi uma pancada feia mas você não quebrou nada. Estava andando distraído, não é?
Ele a olhou extremamente emocionado: - Maria Rita... Já vi que conseguiu o que queria... – suspirou meio cansado, mas totalmente encantado com aquele encontro tão inesperado. - Ela se espantou com aquela voz e olhou-o mais atentamente:
- É você, André? – perguntou – e seus olhos se encheram de lágrimas. Afagou seu cabelo, quase todo coberto por uma bandagem e disse baixinho algo que foi música para os ouvidos dele. – Que saudade, André... Você se foi sem se despedir, sem dizer nada...Foi ai que descobri quanto o amava. Não sabe como o procurei.
- Com todo amor que eu lhe tinha, ainda não estava pronto para você, minha querida. Mas agora estou e não quero mais perder tempo, sabe? Quando eu saio daqui?
- Agora você é meu prisioneiro, André. – disse ela sorrindo com aquele sorriso luminoso que ele jamais havia esquecido.
- O prisioneiro mais feliz do mundo, Ritinha.
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