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quarta-feira, 29 de junho de 2011

A herança - Daisy Daghlian



A herança

Daisy Saghlian


Sílvia, Paula e Regina ficaram estarrecidas ao se depararem com aquela casa em ruínas, no meio do nada, que coubera a elas como herança de tio Bartolomeu.

Sabiam das excentricidades do velho solteirão, sempre pregando peças nos parentes e amigos. Parecia bem próprio dele, morar naqueles destroços, sala de terra batida, único móvel o sofá, rodeado de pedras, mais parecia um sítio arqueológico. Um lustre muito antigo pendia desconcertado no que parecia ser o teto. O restante da casa não estava em melhores condições. Quartos destruídos, cozinha e banheiro inexistentes.

Moças da cidade haviam viajado horas para chegar e encontrar aquele sítio.

Quando souberam do legado, arrumaram as malas como se fossem passar férias num hotel fazenda. Percebiam agora como destoavam do ambiente.

Exaustas, jogaram a bagagem no chão e, sentaram naquele sofá empoeirado. Sílvia dormiu imediatamente, Paula acendeu um cigarro, Regina parecia a única preocupada com aquela situação. Olhou desanimada as ervas daninhas que cresciam sem pudor.

No testamento, o tio exigia que elas passassem um mês naquele local, para tomar posse de todos os bens, que não eram poucos.

Não sabia como sobreviveriam a tanto desconforto. Uma coisa a intrigava. No terreiro havia um poço artesiano, uma horta bem cuidada, galinhas ciscando livremente, mais ao longe uma construção que parecia ser um curral, destoando completamente da casa.

Passos soaram, levantou-se temerosa, no que restava da porta surgiu a figura daquele homem jovem e forte, carregando cestos cheios de mantimentos, frutas e verduras. Não disse uma palavra, deixou tudo ali mesmo e, se foi. Regina correu para alcançá-lo, gritou para que parasse, o jovem desapareceu.

Silvia acordou, Paula saiu do torpor que a dominara, Regina contou o acontecido, as três resolveram se ajeitar da melhor forma, para passar aquele mês.

Deram uma busca no único armário, encontraram umas redes velhas, ajeitaram um canto da sala para servir de dormitório. Felizmente era verão, não precisavam de cobertores. Não tinha eletricidade, encontraram velas. O problema maior era o banheiro. Banho só com balde, água gelada. As necessidades, teriam que usar o mato mesmo.

A noite encontrou-as mais confiantes. Conseguiriam.

Jantaram. Fizeram planos para o dias seguintes. Adormeceram.

No meio da noite Paula começou a gritar, fotos de homens eram projetadas na parede como flashes atormentando as moças que nada entendiam, queriam fugir dali, não podiam. Queriam a herança.

Os dias foram passando, tudo se repetia, durante o dia esforçavam-se para sobreviver a aquele desconforto, à noite era um horror, fotos projetadas, ruídos tenebrosos soavam o tempo inteiro. Dormiam sentadas juntas no sofá, acordando sobressaltadas. Apesar do temor, continuavam firmes. Queriam desvendar aquele mistério.

Certa manhã encontraram um bilhete.

Dizia: Venham ao curral assim que acordarem.

Ao chegarem encontraram aquele mesmo rapaz que lhes trazia os mantimentos.

Apresentou-se: sou o caseiro do sítio, disse.

Meu nome é Carlos Siqueira. Fui encarregado pelo tio de vocês de alimentá-las e ao mesmo tempo assustá-las. Se fugissem não seriam dignas da herança. Venham conhecer a verdadeira casa do tio Bartolomeu.

O curral era na verdade uma casa encantadora, confortável, limpa e repleta de objetos de arte e livros, muitos livros.

Começaram a rir. Tio Bartolomeu até depois de morto lhes pregara mais uma peça. O que era bem próprio dele

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