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segunda-feira, 16 de junho de 2014

DESCOBERTA! - Dinah Ribeiro de Amorim



DESCOBERTA!
Dinah Ribeiro de Amorim

  Meus avós faleceram quando eu era jovem, dezoito anos. Deixaram um sobrado antigo, em Vila Mariana, onde passei minha infância e adolescência. Tiveram oito filhos, queridos tios e tias, ficando alguns solteiros e participantes de minha mocidade. Com a morte dos pais, resolveram deixar a casa e mudar para um apartamento.

  Meu sobrado de infância, abandonado, cheio de mato, sem a alegria e a luz de outrora, deu-me muita tristeza e saudade.

  Às vezes, costumava ficar estacionada no portão, horas e horas, pensando em entrar e relembrar meu passado.

  Um dia, pensei: “Vou entrar e ver como está por dentro”, embora fosse advertida pelas tias que poderia ser perigoso. Alguma invasão no fundo do quintal!
    Fiz isso e, logo que abri as portas, verifiquei seu estado lastimável! Muito sujo, descuidado, à espera de compradores. Percorri seus cômodos antigos e altos, de papéis rasgados e desbotados nas alegres paredes de minha memória. Lugares em que dormíamos, conversávamos, dançavam, relembrando minha família e os momentos felizes passados com ela.

  Vovô no quintal, aos domingos, mexendo na horta; vovó, corada e risonha, com suas eternas trancinhas, fazendo pastéis na cozinha, batendo no teto, de quando em quando, com sua bengala de cabo grosso, para acordar as filhas que descansavam após uma semana de trabalho. Quase todas, funcionárias públicas!
  Fui despertada de minhas recordações por um leve ruído que parecia vir do fundo do quintal. Como este era grande, cheio de plantas e com um galinheiro no fundo, atribuí o barulho a algum bicho ou galho batendo.

  Havia uma adega ou porão, junto à escrivaninha do meu avô, embaixo da grande e larga escada, na qual brincávamos de correr. A abertura dessa adega, de forma quadrada, disfarçada pelo assoalho de madeira, só era usada pelo meu avô. Nunca soubemos o que continha ou o que lá se guardava. Descia-se por uma escadinha. Muito curiosa, decidi abri-la e verificar como era ou se ainda possuía alguma coisa.
  Desci os degraus já estragados pelo tempo, deparando com uma grande escuridão, pois não havia janelas. Procurei não me afastar muito da entrada, mas o ambiente era pequeno, vazio, com incrível cheiro de mofo e poeira. Algumas teias de aranhas coçavam meu rosto e tentei afastá-las para enxergar melhor. Realmente, haviam levado tudo e, ia voltar quando percebi uma caixa branca, ao lado da escadinha, encostada nela! Que será que haveria, pensei. Talvez enfeites de Natal, pois meu avô gostava de enfeitar ele mesmo a casa, nessas épocas! 

  Apanhei-a, coloquei debaixo do braço e retornei para um lugar mais claro. Abri-a com curiosidade! Estava cheia de fotos velhas, de meus avós jovens, tios pequenos, membros da família já falecidos, chamando minha atenção uma foto de minha bisavó, dama elegante, atraente, grávida, orando fervorosamente para uma tela do anjo Rafael. Em estado de contemplação e súplica! Achei-a muito interessante e, perto da foto, guardado carinhosamente, embrulhado em papel de seda amarelado e encardido, uma figurinha de vidro, do anjo Rafael, presa por um elástico. Muito emocionada, fechei a caixa pensando em levá-la às tias que restavam, devolvê-la à família, descobrindo agora o porquê do nome de meu avô: Rafael, dando início a uma série desse nome, continuando em netos e bisnetos.


  Na saída, assustei-me e quase derrubei tudo no chão. O portão estava escancarado e alguém mexia no meu carro: um garoto de mais ou menos quinze anos, com camiseta vermelha e boné escuro, forçava a fechadura. Dei um grito bem alto clamando por Socorro! Invoquei também o anjo Rafael, protetor de meu avô e sua mãe. Imediatamente, o rapaz, assustado, saiu correndo, pensando talvez que houvesse mais gente comigo. Novamente, nosso anjo protetor entrando em ação!


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