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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Carta de um amor desesperado - Suzana Lima


Carta de um amor desesperado
Suzana Lima


- Gui, estou te escrevendo aqui do Hospital. Fui acidentada, meu querido, e fiquei uma semana fora de mim, de coma, foi o que me disseram.

Alicinha teclava com muito esforço, usando a mão esquerda. Seu braço direito estava engessado, do ombro à mão. E servia apenas para manter o lap-top, precariamente equilibrado na mesinha de refeições, em cima de suas pernas.

- Imagino que você foi ao nosso encontro, no Jardim da Luz, em frente à Pinacoteca, conforme combinado. Só hoje, Gui, voltei a mim e quis logo lhe dizer o que tinha ocorrido.

Parou um pouco, cansada, e só aí percebeu as gotas de lágrimas deslizando tristes pelo seu rosto machucado.

- Espero que você ainda esteja em São Paulo.

A mão pousou no teclado, cansada. Alicinha estava quase soluçando. A mãe, que a acompanhava, sentiu seu coração sangrar ao ver a filha naquele estado.

Levantou-se rápido, pegou um lenço de papel e apressou-se a consolá-la, enxugando seu rosto.

- Eu lhe ajudo, filhota. Dite para mim, é muito esforço para sua mão, ela está ferida também.

Alicinha respirou fundo, fazendo um esforço para deixar de chorar.

- É para o Gui, mãe, e sei que você não gosta dele. – suspirou angustiada.

- Tínhamos marcado um encontro, mas como não apareci, ele deve ter ido embora para sempre, foi o que ele disse que ia fazer se eu não fosse.

Olhou para a mãe como um cachorrinho perdido e assustado.

– Mãe, preciso que você telefone para ele e explique tudo. O número está no celular, ou então na minha caderneta, não sei bem. Mas telefone para ele. Faça isso por mim, mãe.

Ela falava como se cada palavra fosse um fardo que colocava nas costas, cada vez mais penoso de carregar.

- Estou tentando pelo e.mail, porque não sei se ele ainda está na cidade, mas sei que ele abre os e.mails todo dia.

Com a mão livre segurou o braço da mãe.

- Mãe, não posso perdê-lo! Não posso! Sem ele não quero mais viver. Nada vai ter sentido... – respirava com dificuldade.

- Só de pensar nisso, dói mais que todos esses ferimentos, dói muito mãe, me ajude...

E como uma comporta que se abre sem aviso, seu choro inundou o lap-top enquanto seu frágil corpinho se sacudiu em convulsões. Era de dar pena e sua mãe, apavorada, correu alucinada para o corredor gritando por socorro.

A enfermagem apareceu, aplicou um calmante. Alicinha foi se aquietando.

Quando a viu dormindo, a mãe olhou o e.mail começado e resolveu terminá- lo. Estava se sentindo como uma panela de pressão prestes a explodir de tanta raiva e revolta. Meu Deus, minha única filha, meu bebê, foi se apaixonar por este filho do Demo...

- Gui, esteja você em São Paulo ou não, trate de aparecer o mais depressa possível aqui no Hospital Madre de Deus. Não importa se gosto ou não de você, se você engana ou não a minha filha, se é um malandro mulherengo, sem vergonha e mentiroso. Alicinha o ama, e isso me basta. E ela está em perigo de vida, devido a um acidente horrível na Dutra. E quer vê-lo. O caminhão não a matou, porém se você não vier, ela pode morrer. Assim, se não aparecer, pode considerar que sua vida também já era. Vou lhe procurar em toda parte e acabo contigo, onde quer que você esteja. Não é uma ameaça vã. Você sabe que tenho poder e tenho dinheiro. Portanto venha logo, ela não tem muito tempo. Mas quero que ela viva para ter este momento e este encontro. O resto a Deus pertence.

Assim, ele apareceu no hospital, no dia seguinte. Não tinha saído da cidade e nem sequer tinha ido ao encontro. Mas entendeu perfeitamente a mensagem materna.

Suportou o olhar gelado da mãe ao entrar no quarto. Mas ao se chegar àquela cama, onde Alicinha parecia sumir no meio de tantos tubos e aparelhos, uma onda de compaixão, culpa e remorso o invadiu. Segurando as lágrimas, tocou a mão dela, com delicadeza, murmurando seu nome com carinho, do jeito amoroso como a chamava:

- Nina, nina... estou aqui, minha florzinha, seu Gui está aqui.

Ao som de sua voz, Alicinha abriu seus olhos devagar, como uma janela se abrindo para a luz de um jardim. Pareciam duas gotas de orvalho cintilando ao sol. A dor e o medo se evaporaram como a névoa matutina. Só restava um rosto feliz, com o frescor de uma manhã de primavera.

- Gui, que bom que você está aqui... Eu não pude ir...

Mas ele gentilmente tocou seus lábios com os dedos, murmurando:

- Eu sei, minha querida. Não fale para não se cansar. Fiquei lá lhe esperando, mas meu coração avisou que algo tinha acontecido. O amor é assim, não é?

Ainda mais um tão grande como o nosso. Você vai logo ficar boa. Não saio de perto de você, viu? Não vou te perder nunca mais...

Ele nunca mais esqueceu o sorriso iluminado de Alicinha, que, por um instante, devolveu a beleza e frescor ao seu lindo rosto, como a tinha conhecido, jovem e alegre rodando com sua bike no Parque da Aclimação. E foi assim que, envolta numa nuvem de felicidade, que Alicinha, ainda sorrindo, foi fechando mansamente seus olhos, em paz e para sempre.

E nessa hora ele soube que ia purgar a vida toda a dor daquela perda.

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