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segunda-feira, 4 de abril de 2011

A surpresa de cada dia - Daisy Daghlian


A surpresa de cada dia
Daisy Daghlian

Sábado, fui com minha família à festa de aniversário de meus amigos Caio e Carlos são gêmeos, cabeludos e cheios de tatuagens, têm uma banda de rock, vivem de música, divertidos e hospitaleiros, num sítio próximo a São Paulo.

O dia que prometia estava maravilhoso, sol forte, uma brisa leve, céu azul. A estrada bem movimentada, as crianças impacientes para chegar logo foram cantando.

Ao chegar, me deparei com um local bucólico e bem cuidado, repleto de araucárias, deixando o ar perfumado e agradável. Flores muito coloridas se espalhavam pelos canteiros. No meio do jardim uma piscina convidativa e vários quiosques. As crianças mal cumprimentaram as pessoas, pularam na água. Fui dar um abraço em Ritinha, mulher de Caio, que estava perto da churrasqueira. Muito bonita e charmosa, morena cor de jambo, engenheira competentíssima no trabalho, generosa, pessoa adorável, sorriu quando me viu, o semblante tão iluminado mas, no fundo de seus olhos havia aquela expressão de dor, que não a deixava nunca. Ela, como sempre, não parava um minuto, arrumando pratos e copos, vendo se as saladas estavam prontas, dando ordens aos empregados, eu quase não podia acompanhar seu ritmo. Na hora do almoço, os convidados que estavam espalhados pelo sítio foram chegando, a comida deliciosa foi um sucesso total.

Várias redes foram armadas, me recostei em uma delas junto com Fernanda minha prima. No galpão principal a banda começou a tocar os primeiros acordes. Não dava para dar nem uma cochiladinha. Fomos dar uma volta, Fê, que não era íntima dos anfitriões, muito curiosa quis saber qual era a história deles.

Contei que Ritinha, casou-se muito jovem aos 17 anos, Alberto tinha 19. Logo tiveram um filho. Se amavam muito, batalhavam para construir uma vida boa. Num fim de semana conseguiram ir à praia, aproveitaram aqueles dias de folga. Retornando a São Paulo, um caminhão desgovernado chocou-se contra o automóvel , só ela sobreviveu.

Muito abalada, sofreu e chorou muito a perda de seus entes mais queridos. Com o coração partido, criou forças, adquirindo mais compaixão e compreensão. Reagiu de uma maneira surpreendente, retomando sua vida. Os amigos sempre ao seu lado.

Passados alguns anos, conheceu Caio. Não era a mesma paixão que sentira antes, mas havia ternura e amizade. Após alguns meses de namoro, casaram. A vida deles transcorria bem. Dois anos depois nasceu Lucas. Ficaram encantados. Ela não cabia em si de tanta alegria e amor, a dor que seus olhos tanto expressavam quase não aparecia mais. Com a chegada do filho só trabalhava no período da tarde. Certa manhã sentiu uma tontura e seus olhos escureceram, não enxergava nada. Foi socorrida pela mãe que a estava ajudando, esta chamou Caio que imediatamente a levou ao Hospital.

Após vários exames bem complexos, idas e vindas à vários médicos, foi constatado câncer no olho direito, tinha que ser extirpado. Após este diagnóstico atroz, foi operada.

Devido a gravidade do caso, tudo relativo ao olho foi retirado, ficando só um buraco vazio, sem chance de colocar uma prótese ocular.

Ao voltar da cirurgia, Ritinha se olhou no espelho, não gostou do que viu, tirou a camisola, vestiu suas roupas normais, ligou para uma amiga pedindo que lhe comprasse alguns tapa-olhos coloridos, não iria ficar com aquele tampão de gaze, aquilo a deixava deprimida. Não se deixou abater pela dor.

Com a força incrível que sempre teve, recuperou-se e retomou a vida mais uma vez.

Satisfeita a curiosidade, Fê e eu ainda abaladas e tristes com a história continuamos a andar pelo pomar para acalmar um pouco.

Horas depois, voltamos ao galpão, todos cantavam e dançavam, Ritinha entre eles.

A vida nos surpreende sempre.
 

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