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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Assassinato - Hirtis Lazarin





ASSASSINATO
Hirtis Lazarin


Já é primavera.  Despontam os primeiros raios do amanhecer.  Chegam brincalhões.  Esgueiram-se entre emaranhados de galhos e folhas das árvores mais altas.  Acordam pássaros ainda no ninho.  Logo mais, chegam os raios mais poderosos pra completar a obra de arte.  São os pincéis que colorem a natureza.  

As flores vão se mostrando cada qual com seu jeitinho, sua graciosidade, sua cor.  As pessoas começam a circular pelas ruas.

            É uma felicidade barulhenta.  

            Ela bate às portas da mansão dos "Rodrigues de Moraes".  Não consegue entrar, como faz todas as manhãs.

            Na cozinha um casal calado toma o café da manhã.  Nem se olham.  Ela abatida, olheiras profunda denunciam que não dormira nada naquela noite.  Ele, vez ou outra, lança-lhe um olhar enfurecido.  Sai apressado para o trabalho e não se despede.

            Maria Cristina e Fernando estão casados há quase trinta anos.  Têm dois filhos: Lucas, formado em medicina e Vitor, que está pra concluir o curso de direito.

            Formam um casal modelo e bem sucedido; ele, administrador de multinacional e ela, psicóloga, presta serviços como orientadora vocacional numa escola alemã.

            Colecionam amigos e sempre sobra um tempinho pra reuni-los em casa.
            Naquele dia, Fernando volta do trabalho mais tarde que o habitual.  Acha estranho...A casa está escura, nem as luzes do jardim foram acesas.  E Cristina sempre o espera pra jantar.

            Entra preocupado e cauteloso;  passa pela cozinha e, ao acender as luzes da sala de jantar, vê Cristina caída aos pés da escada de mármore que dá acesso ao piso superior.  Os cabelos longos e loiros embebedaram-se do sangue que escorreu da sua cabeça e revoltos cobrem-lhe a face.

            Fernando entra em pânico.  Toma-lhe o pulso.  Não há sinal vital.  Cristina está morta.

            A polícia chega logo.  Os técnicos verificam que o corpo não mostra sinais de bala nem de arma branca.  Um corte profundo na cabeça.

            Ela teve um mal súbito e rolou escada abaixo ou se desequilibrou no salto do sapato e despencou lá do alto?

            O corpo é encaminhado ao IML e o laudo diz que a morte fora causada por forte golpe no alto da cabeça.

            A casa é isolada.  Os peritos lá permanecem dias para exame minucioso do local do crime.

            Cristina fora morta na cozinha.  O "luminol" mostrou que o corpo fora arrastado até a escada, simulando um acidente.  Sobre a mesa da cozinha havia um livro de receitas aberto `a pagina 44, todo respingado de sangue.  Ao lado, ingredientes para um bolo de chocolate.  Fora abatida pelas costas, compenetrada que estava na leitura da receita.

            O mistério era grande: não havia sinais de arrombamento, nada fora levado e a casa estava em ordem.

            Vizinhos, amigos e familiares foram convocados pra depor e nenhuma pista surgia pra desenrolar o novelo.

            A casa é liberada e Fernando volta.  Autoriza a governanta Amélia a encaixotar os pertences da esposa.  Seriam doados.

            Numa bolsa antiga Amélia encontra uma agenda do ano em curso.  Abre sem restrições.  Quem sabe encontraria alguma pista.  Esconde-a entre seus pertences e, no dia seguinte, entrega-a ao delegado que investiga o caso.

            Na página correspondente ao dia 19 de setembro, dia anterior ao crime, Maria Cristina escreveu:

            "O relógio marca uma hora da manhã.  Finalmente, hoje consegui contar ao Fernando este segredo que guardo há quase vinte anos.  Dezembro está chegando e a formatura do Vitor também.  Os três envolvidos têm o direito de saber a verdade.  Não consegui olhar nos olhos de Fernando.  Contei-lhe que tive um caso amoroso com Ricardo, esposo de Isabel, nossos melhores amigos.  O primeiro momento foi durante uma viagem que fizemos à Itália.  A atração que sentíamos era muito forte e aconteceu...  Vitor é filho de Ricardo.  Nos próximos dias contarei ao Ricardo e ao Vitor toda verdade. 

            Fernando não abriu a boca o tempo todo; não pronunciou um "ai".  Olhou-me com desprezo e trancou-se no quarto de visitas.  Sei que nosso casamento acabou.  O processo de separação vai ser árduo.  Sou consciente de tudo que me aguarda, mas não podia mais continuar vivendo essa mentira."

            Após a leitura do diário, o delegado não teve mais dúvidas sobre o assassino. 

            Convocou Ricardo e contou-lhe o segredo de Cristina: você é o verdadeiro  pai de Vitor.

            E Fernando?  Foi decretada sua prisão.

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