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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O espelho que desrefletia - Jany Patricio


O espelho que desrefletia
Jany Patricio


         Gabriel despulou o muro do vizinho e depois se escondeu atrás do som acalorado do sino que descaia ladeira adentro.

         Com a barulhidade das badaladas, os patos do lago do lado de lá desdeceram das águas baixas e junto com as nuvens vestidas com pantufas arroseadas, atravessaram a cerca de capim dourado, descavando o buraco da ladeira que subia para encontrar o garoto.

         Vendo os peixes do lago do lado de cá, que o vizinho corria com sua espingarda desenferrugada, atirando bolas de sabão pegajosas e espertas, gritaram em silêncio com cheiro de onda, para o menino desescorregar da lama e se esconder nos trilhos do trem voador.

         Mas de repente, saiu do lago do meio, um monstro de mil olhos afogueados e quatrocentos braços peludados, que puxou o trem para o monte de estrelas que reclinavam o sol para os raios violeta da galáxia.

         Por falta de azar, o trilho despregou-se do trem e Gabriel emburacou no túnel de cristal que atravessava a montanha que assoprava notas musicais coloridas para todos os lados.

         Perdido, no centro dos cristais, Gabriel sentiu um pingo d’água se encontrar com uma lágrima que fugia dos seus olhos e com a orelha em pé ouviu a conversa:
         - Por que foges do seu dono cheirosa lágrima?

         - Eu não fujo, só desescorreguei dos olhos dele para tentar achar um caminho para entrar no lado de fora da montanha.

         - Venha comigo e traga seu dono. Vamos seguir o perfume verde da esmeralda e encontraremos o espelho d’agua que nada desconhece.
         - E esse espelho existe mesmo?

         - Claro, e ele desreflete o futuro, mostrando o passado, e vai mostrar o caminho de volta!

         - Nossa!

         - Corra! Morcegos sugadores de luz nos viram! Temos que encontrar logo o espelho!

         Então, como uma cachoeira, foram engolidos pelo espelho d’água, que desrefletindo a luz da esmeralda, lançou o menino pelo tubo de cristal estrelado.
         Destonteado,  Gabriel desfechou os olhos, e sentiu o cheiro da alegria do seu cachorrinho que tinha escapado pelo buraco da cerca para o quintal do vizinho, seu amigo, que brincava com bolhas de sabão.

         - Veja! - Disse o amigo.

         - Onde? - Respondeu Gabriel.

         - Ali naquela bolha que cheira jasmim!


         Subia, subia, subia, a bolha, e dentro dela, uma lágrima e um pingo d’água.

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