Entrei
numa fria!
Hirtis Lazarin
Minha sobrinha Marina de
quinze anos veio de uma cidadezinha de Minas pra morar comigo.
Seus pais, preocupados com os estudos
da filha, acharam por bem trazê-la à São Paulo para cursar o Ensino Médio e
posteriormente a Faculdade.
Eu a conhecia pouco. A última vez que
estive com ela, tinha apenas cinco anos e depois disso, nunca mais... Meu irmão
fora transferido para Minas. Ele dirigiria a filial de multinacional. E por lá criou raízes.
Não hesitei em convidá-la pra morar
comigo. Meu apartamento é grande, moro
sozinha. Poderíamos ser grandes
companheiras.
Organizei o quarto para receber
Marina com o carinho e capricho de uma mãe.
Instalei computador, t.v. de tela fina, cortinas finas e esvoaçantes
criando um ambiente leve e juvenil.
Sabia que a menina era apaixonada por ursos. Então, sobre a sua cama, coberta com colcha
de tecido igual ao da cortina, uma família de ursinhos a receberia com largo sorriso de boas vindas.
Marina se mostrou carinhosa e obediente. Rapidinho se adaptou à rotina da casa. Levantávamos cedinho. Eu pro trabalho e ela pro colégio. Matriculei-a numa boa escola, próxima para
que ela não precisasse de
condução. Ao término das aulas, chegando
em casa, tinha a Marlene a sua disposição até às dezoito horas. Lembrando, Marlene me presta serviço há mais de vinte anos.
Meio ano já havia passado. Meu Deus, o tempo corre. Os ponteiros do relógio até parecem estar
numa competição de velocidade. Num
repente, as mudas viram árvores gigantes, as sementes viram flores que viram
frutos;, os ovinhos pássaros, o bebê
indefeso criança sapeca, e Marina virou uma adolescente rebelde.
Agora, seu quarto estava sempre em
desordem: roupas usadas e sapatos espalhados pelo chão, lixeira abarrotada de
papéis, frascos vazios de iogurte empilhados, atraindo insetos e o som sempre ligado em volume assustador.
O
humor da garota mudava da água pro vinho em instantes: do irritável pra
pulos de alegria. Eu tentava, mas não
conseguia entender.
Sei que a adolescência é uma fase
conturbada. Li livros e pesquisei na internet
buscando orientação.
Quantas vezes sentei-me ao seu lado
pra uma conversa de amigas. Cheguei a
contar-lhe segredos pra que ela me contasse os seus, sem querer que se
aprofundasse nos detalhes Sei que o
adolescente precisa de privacidade pra que se torne um adulto responsável e
independente.
Muitas vezes eu triste, cansada
mostrei-me serena e feliz. A felicidade
é contagiante.
Nos finais de semana, levei-a pra
ambientes de lazer e cultura, sempre abrindo espaço pras suas sugestões.
Entrei em contato com seus pais
diversas vezes. Eu precisava de
ajuda. Eles nunca apareceram.
A coisa desandou mesmo quando Marina
conheceu Pedro Henrique e recebeu do Cupido flechada no ponto "G" do
coração. Paixão alucinante.
Faltava às aulas e seu rendimento escolar desmoronou, trancava-se no quarto
por horas e ignorava-me, não desgrudava do celular. Saía sem dar satisfações,
não cumpria mais os limites de horário.
Até que numa tarde, ao chegar do
trabalho, encontrei acesas todas as lâmpadas da casa, o quarto de Marina aberto, o chão coberto de
páginas desfolhadas de todos os seus livros,
folhas de caderno rasgadas.
Marina inerte caída sobre a cama, uma garrafa de bebida alcoólica quase
vazia entre seus dedos.
Entrei em pânico. Não tive coragem de tocar aquele corpo. Chamei a ambulância. No hospital, constatou-se coma alcoólica.
Pra mim bastava. Liguei aos pais e exigi que viessem
imediatamente direto ao hospital. Assim
que chegaram no dia seguinte, sem dizer uma palavra sequer, encaminhei-os aos
médicos responsáveis.
Eu só queria sumir dali. Corri pra casa. Arrumei malas, Escrevi recado pra Marlene. Sabe pernas, pra quê as quero?
Eu quero é viajar pro Vietnã...
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