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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Verdades duras, mentiras confortáveis - Hirtis Lazarin




"VERDADES DURAS
                                                                           MENTIRAS CONFORTÁVEIS"
Hirtis Lazarin

          Arthurzinho nasceu com o bumbum virado pra lua. Teve pressa pra chegar a esse mundo de Deus e fazer parte da tradicional e rica família "Alves Guimarães".  Nasceu de sete meses.  Foi difícil pra Olívia e Afonso deixarem a maternidade sem o menino nos braços.  Dois meses se passaram até que ele recebeu alta rechonchudo e com os pulmões a todo vapor.

          Casados há mais de dez anos, Olívia só conseguiu engravidar após vários tratamentos e inseminação artificial.

          O menino crescia cercado de sonhos e fantasia.  O Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa já tinham sido descartados e ficado pra trás, mas Arthur tinha em seu poder uma varinha mágica.  Era só mencionar um objeto de  desejo tão logo ele se materializava aos seus pés.

          Há nesta terra pessoas que parecem talhadas pra exercer liderança.  O avô de Arthur nasceu líder e essa capacidade associada a sua dedicação infatigável fizeram-no dono de um império.  Um  homem forte e respeitável no mundo dos negócios.

          Mas a vida é imprevisível e nos reserva um pouco de tudo, até emboscadas.  Sr. Walter, numa reunião com acionistas, enfartou.  Foi fulminante.  Nem conseguiu chegar ao hospital.

          Assim, de um momento pra outro, Afonso, único filho homem, assumiu o comando da Empresa.  E por mais que se esforçasse não tinha o envolvimento e a liderança de seu pai. 

          A má administração da Empresa associada à crise econômica do país provocaram, em pouco tempo, queda vertiginosa no valor das ações.  A falência foi decretada.

          Nessa época Arthur já contava com seus quinze anos.  Em casa os pais escondiam a real situação financeira e tudo continuava como era antes.  Não houve corte nas despesas e nem mudanças na vida do rapaz.  "Nosso filho não suportaria alteração brusca em seu estilo de vida.  Como transferi-lo do colégio, onde estuda desde o infantil?  Como separá-lo de seus  amigos?"  A verdade dura era sempre substituída por mentiras confortáveis.  E as dívidas iam se acumulando assustadoramente.

          Afonso até conseguiu um novo emprego, mas começar do zero exige coragem e perseverança.  O casal unido tinha que entender que aquele ciclo da vida terminara.  Novos horizontes tinham que ser buscados e que a palavra-chave tinha de  ser determinação.

          O momento crucial chegou: a casa grande e confortável num bairro luxuoso e os carros foram vendidos;  todos os serviçais dispensados.  Um apartamento modesto foi alugado num bairro não menos modesto.  Tudo isso fora revelado ao rapazinho de uma só vez.  Se a verdade tivesse sido administrada em doses homeopáticas acrescidas de gotas de amor e tato, talvez o estrago fosse menor.  Mas Olívia e Afonso se acovardaram diante do impasse.

          Para Arthur foi o desmoronamento do seu mundo em poucos segundos. Era como se uma bomba tivesse explodido e a família se visse cercada por escombros intransponíveis. Ele se isolou de tudo e de todos. Passava o dia trancado em seu quarto ou desaparecia o dia todo.  A cada dia, Arthur murchava um pouquinho mais.   E as coisas só foram piorando...

          Hoje faz seis meses que o rapaz está internado numa clínica de recuperação para dependentes químicos.

          

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